domingo, junho 25, 2006

Onde Canta o sabiá

Onde canta o sabiá
(Beatriz de Moraes Vieira doutoranda em História na Universidade Federal Fluminense.)
O poema Canção do exílio de Gonçalves Dias se entranhou na memória brasileira e ajudou a fixar a idéia da brasilidade: a terra, o sentimento de exílio ou saudade e a língua passam a se confundir com a imagem do país

"Minha terra tem palmeiras,/onde canta o sabiá;/As aves, que aqui gorjeiam,/Não gorjeiam como lá"... Que brasileiro nunca ouviu estes versos algum dia, saudando a terra onde as aves, os amores, as flores são melhores do que em qualquer outro lugar? Escrito por Gonçalves Dias, em 1843, durante o Romantismo, com suas preocupações com a terra natal e a origem da nação, o poema Canção do exílio passou das antologias poéticas aos manuais escolares. Seus enunciados entraram em nossa história cotidiana desde meados do século XIX e ao longo do XX, de modo que certas imagens (o sabiá, a palmeira) e alguns versos soltos do poema ("nosso céu tem mais estrelas"; "não permita Deus que eu morra, sem que volte para lá" etc.) se tornaram fatos comuns do imaginário brasileiro.
A Canção do exílio é um dos textos-fundadores de nossa cultura. Criaram-se a partir dele imagens de identidade brasileira, num percurso que pode ser seguido através de quatro grandes linhas ou matrizes.
A Canção do expedicionário de Guilherme de Almeida - ligado ao contexto modernista dos anos 30 e 40, manteve certo tom tradicional - canta a natureza brasileira e retoma símbolos nacionais como a Moema, a Iracema, o Sabiá, dialogando também com as modinhas do cancioneiro popular: "Deixei lá atrás meu terreiro,/meu limão, meu limoeiro,/meu pé de jacarandá/lá no alto da colina/onde canta o sabiá."
A partir do movimento modernista, a retratação otimista da paisagem tropical começou a alterar-se, conforme se tomava consciência dos problemas econômicos e culturais legados dos tempos coloniais. "Sabiás", "palmeiras", "minha terra" aparecem desestabilizando os valores e sentidos consagrados pela tradição anterior. Assim, num segundo tipo de imagem, as releituras da Canção do exílio vinculam natureza e cultura, relendo o poema-fundador com perspectiva crítica, apontando para ruínas culturais, esquecimentos, lacunas políticas e sociais.
Oswald de Andrade, no Canto de regresso à pátria (1925), faz referências à escravidão: "Minha terra tem palmares/Onde gorjeia o mar", e ao progresso urbano dos anos 20: "Não permita Deus que eu morra/Sem que eu volte para São Paulo/Sem que veja a Rua 15/E o progresso de São Paulo." Já Murilo Mendes, com a Canção do exílio de 1955, em seu nacionalismo modernista, aponta na realidade sociocultural brasileira a presença estrangeira, à qual se vinculam elementos locais e dificuldades econômicas: "Minha terra tem macieiras da Califórnia/onde cantam gaturamos de Veneza./ (...)/os filósofos são polacos vendendo a prestações./(...)/Nossas frutas mais gostosas/mas custam cem mil- éis a dúzia./Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade/e ouvir uma sabiá com certidão de idade!"
O poeta Mário Quintana, no poema Uma canção (1962), associando à "minha terra" as imagens de falta e a perplexidade das interrogações, diz: "Minha terra não tem palmeiras.../E em vez de um mero sabiá,/Cantam aves invisíveis/ Nas palmeiras que não há." Provocando estranhamento, este conjunto de imagens apresenta um ideário diverso do anterior, pois parodia aqueles textos marcados pela idealização excessiva da nação, fazendo lembrar ao leitor as "outras caras" do Brasil.
Na terceira matriz de imagens de brasilidade temos a associação entre terra natal e o sentimento de exílio, que é dado pela temática temática da ausência e da distância, tanto em termos geográficos, quanto em termos simbólicos, pela inadequação da pessoa ao contexto social ou político. Para além da saudade romântica da pátria, trata-se da inconformidade com determinados parâmetros ou situações vigentes, originando enunciados de caráter crítico e existencial. O Brasil surge como o espaço que circunscreve o poeta fisicamente, mas não o abriga simbolicamente: sem o sentido de acolhimento, o país não é concebido como terra natal, e esta falta produz as imagens de melancolia que dão o tom do exílio.
Em Europa, França e Bahia (1930), de Carlos Drummond de Andrade, o sentimento nacionalista característico daqueles anos era transfigurado em alheamento após uma viagem pelo mundo: "Meus olhos brasileiros se fecham saudosos./ Minha boca procura a Canção do exílio./Como era mesmo a Canção do exílio?/ eu tão esquecido de minha terra.../Ai terra que tem palmeiras onde canta o sabiá!" O sentido de exílio se dá por uma distância que é construída pelo esquecimento.
Nos anos 60, a música tropicalista Marginália II, de Gilberto Gil e Torquato Netto, durante a ditadura militar, desloca a imagem de brasilidade harmônica para o campo da ironia e da dor: "Minha terra tem palmeiras/onde sopra o vento forte/dá fome, dá medo e muito,/ principalmente da morte." Em 1968, quando se acirrou a repressão ditatorial, Chico Buarque e Tom Jobim compuseram Sabiá, que venceu o III Festival Internacional da Canção realizado pela TV Globo, retomando a relação perto-longe através do tema do exílio dentro de casa, da saudade de uma terra natal na qual se está: "Vou voltar, sei que ainda /Vou voltar para o meu lugar/Foi lá e ainda é lá/Que eu hei de ouvir cantar/Uma sabiá/(...)/ Vou deitar à sombra de uma palmeira/ Que já não há/Colher a flor que já não dá/(...)/ E anunciar o dia." Travestidos de saudade de uma terra natal e em diálogo aberto com o poema de Gonçalves Dias (processo caro à construção do nacionalismo ditatorial), sentidos de liberdade política são sutilmente tecidos no texto, que, fora de seu contexto sociopolítico, poderia parecer apenas um mero e belo canto de retorno à pátria.
Ainda sob a ditadura, Cacaso, um dos poetas da "poesia marginal" dos anos 70, afina a ironia em Jogos florais: "Minha terra tem palmeiras/onde canta o tico-tico./ Enquanto isso o sabiá/vive comendo o meu fubá.//Ficou moderno o Brasil/ficou moderno o milagre:/a água já não vira vinho,/ vira direto vinagre."
Em fins dos anos 80, quando o processo de transição democrática chegou à instauração da Nova República, o poeta-cronista Paulo Mendes Campos publicou no Jornal do Brasil (6/10/1988) sua Nova canção do exílio: "Minha terra tem coqueiros,/sabiá já foi pro brejo.../Brasileiras, brasileiros,/ daqui vou pro Alentejo!" - uma resposta à propaganda oficial dos militares que pregava na década anterior o lema "Brasil: ame-o ou deixe-o".
Também no final dos anos 80, a Canção do exílio mais recente de Affonso Romano de Sant'Anna trabalha em tom taciturno este conjunto de sentidos que associa o sentimento de desterro à identidade brasileira. Dedicado a Fernando Gabeira, intelectual banido nos anos 70 que retornou após a anistia, o texto reúne o exílio político, o exílio em terra natal e o exílio interior: "Não ter um país/a essa altura da vida,/a essa altura da história,/a essa altura de mim,/ - é o que pode haver de desolado./(...)/ E eu aqui, no nenhum-desse-lugar, estrangeiro/exilando-me ao revés"...
Neste conjunto de poemas vemos imagens diversas de exílio, criando uma tradição em que a identidade nacional se esfiapa num mundo longínquo ou arrevesado. A idéia de ser brasileiro associa-se à angústia da não-identidade; como num jogo de luz e sombra, uma das facetas da brasilidade é não se pertencer.
A quarta matriz de imagens nacionais remete à relação entre terra e língua. Este vínculo, expresso poeticamente por Camões no Renascimento português - "minha pátria é a minha língua" -, era fator necessário do processo de formação dos Estados naquele momento. Desde então, esta idéia subjaz sempre a expressões como "minha pátria" e "minha terra", marcando os discursos afirmadores da nacionalidade.
No caso dos países que foram colonizados como o Brasil, a afirmação da identidade leva à busca das peculiaridades locais, resgatando o valor da linguagem do povo e as diferenças para com a língua do colonizador: a oralidade popular e a tradição do português castiço se chocam; sob a aparência de um mesmo português, as palavras são outras, porque vêm de histórias lingüísticas distintas. Como diz o poeta José Paulo Paes no poema Lisboa: Aventuras (1988): "Pedi cafezinho/ serviram-me uma bica/quis comprar meias/só vendiam peúgas [...] positivamente/as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá". Deste modo, a busca de uma expressão lingüística autenticamente brasileira, iniciada no Romantismo e retomada pelo Modernismo, é característica de nosso processo de construção de tradições nacionais. Não à toa o próprio Gonçalves Dias foi autor de um dicionário tupi, e diversos modernistas se preocuparam com a identidade lingüística do brasileiro, como se vê no "tupi or not tupi" de Oswald de Andrade, ou no Prefácio interessantíssimo de Mário de Andrade: "A língua brasileira é das mais ricas e sonoras. E possui o admirabilíssimo ão."
O conjunto de releituras da Canção do exílio, cuja linguagem carrega essa busca de autenticidade da expressão lingüística brasileira, contribui para a integração do par língua nacional/terra natal à imagem e à memória de brasilidade. Gonçalves Dias com seu poema e suas numerosas releituras compõem um quadro de imagens que ressoaram de tal modo, que construíram sentidos plurais para o Brasil. Inscritas em nossa história literária e em nossa cultura, as canções do exílio também formam o imaginário e as tradições nacionais, e assim, afinal, poesia também faz história nesta terra de sabiás, amores e ironias...

In: Nossa História. São Paulo: Vera Cruz, ano 1, nº 05, 2004



Canção do exílio

Gonçalves Dias

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Coimbra, julho de 1843, aos 19 anos

Canção do exílio I

Casimiro de Abreu

Eu nasci além dos mares:
Os meus lares,
Meus amores ficam lá
– Onde canta nos retiros
Seus suspiros,
Suspiros de sabiá!

Oh! que céu, que terra aquela
Rica e bela
Como o céu de claro anil!
Que seiva, que luz, que galas,
Não exalas,
Não exalas, meu Brasil!

Oh! que saudades tamanhas
Das montanhas,
Daqueles campos natais!

Daqueles céu de safira,
Que se mira,
Que se mira nos cristais!

Não amo a terra do exílio,
Sou bom filho,
Quero a pátria, o meu país.
Quero a terra das mangueiras
E as palmeiras,
E as palmeiras tão gentis!

Como a ave dos palmares
Pelos ares
Fugindo do caçador;
Eu vivo longe do ninho,
Sem carinho,
Sem carinho e sem amor!

Debalde eu olho e procuro...
Tudo escuro
Só vejo em roda de mim!
Falta a luz do lar paterno
Doce e terno,
Doce e terno para mim.

Distante do solo amado
– Desterrado –
A vida não é feliz.
Nessa eterna primavera
Quem me dera,
Quem me dera o meu país!

Lisboa, 1855

Canção do exílio I – meu lar

Casimiro de Abreu

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro
Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
Os gozos do meu lar!

O país estrangeiro mais belezas
Do que a pátria não tem;
E este mundo não vale um só dos beijos
Tão doces duma mãe!

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava
Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
O céu do meu Brasil!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já!
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Quero ver esse céu da minha terra
Tão lindo e tão azul!
E a nuvem cor-de-rosa que passava
Correndo lá do sul!

Quero dormir à sombra dos coqueiros,
As folhas por dossel;
E ver se apanho a borboleta branca,
Que voa no vergel!

Quero sentar-me à beira do riacho
Das tardes ao cair,
E sozinho cismando no crepúsculo
Os sonhos do porvir!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
A voz do sabiá!

Quero morrer cercado dos perfumes
Dum clima tropical,
E sentir, expirando, as harmonias
Do meu berço natal!

Minha campa será entre as mangueiras,
Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranqüilo
À sombra do meu lar!

As cachoeiras chorarão sentidas
Porque cedo morri,
E eu sonho no sepulcro os meus amores
Na terra onde nasci!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Lisboa, 1857

Canção do expedicionário

Guilherme de Almeida

I

Você sabe de onde eu venho?
Venho do morro, do engenho,
Das selvas, dos cafezais,
Da boa terra do coco,
Da choupana onde um é pouco,
Dois é bom, três é demais.

Venho das praias sedosas,
Das montanhas alterosas,
Do pampa, do seringal,
Das margens crespas dos rios,
Dos verdes mares bravios,
De minha terra natal.

Estribilho

Por mais terra que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse "V" que simboliza
A vitória que virá:

Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil!

Estribilho

Por mais terra que eu percorra... etc.

II

Eu venho da minha terra,
Da casa branca da serra
E do luar do sertão;
Venho da minha Maria
Cujo nome principia
Na palma da minha mão.

Braços mornos de Moema,
Lábios de mel de Iracema
Estendidos para mim!
Ó minha terra querida
Da Senhora Aparecida
E do Senhor do Bonfim!

Estribilho

Por mais terra que eu percorra... etc.

III

Você sabe de onde eu venho?
É de uma Pátria que eu tenho
No bojo do meu violão;
Que de viver em meu peito
Foi até tomando jeito
De um enorme coração.

Deixei lá atrás meu terreiro,
Meu limão, meu limoeiro,
Meu pé de jacarandá,
Minha casa pequenina
Lá no alto da colina
Onde canta o sabiá.

Estribilho

Por mais terra que eu percorra... etc.

IV

Venho de além desse monte
Que ainda azula no horizonte,
Onde o nosso amor nasceu;
Do rancho que tinha ao lado
Um coqueiro que, coitado,
De saudade já morreu.

Venho do verde mais belo,
Do mais dourado amarelo,
Do azul mais cheio de luz,
Cheio de estrelas prateadas
Que se ajoelham, deslumbradas,
Fazendo o Sinal da Cruz!

Estribilho
Por mais terra que eu percorra... etc.
(Rapsódia que cantaram os soldados brasileiros nos campos de batalha da Europa).

Canto de regresso à pátria
Oswald de Andrade

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá

Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo

Europa, França e Bahia

Carlos Drummond de Andrade

Europa, França e Bahia
Meus olhos brasileiros sonhando exotismos.
Paris. A torre Eiffel alastrada de antenas como um caranguejo.
Os cais bolorentos de livros judeus
e a água suja do Sena escorrendo sabedoria.

O pulo da Mancha num segundo.
Meus olhos espiam olhos inglêses vigilantes nas docas.
Tarifas bancos fábricas trust crash.
Milhões de dorsos agachados em colônias longínquas formam um tapete
...para Sua Graciosa Majestade Britânica pisar.
E a lua de Londres como um remorso.

Submarinos inúteis retalham mares vencidos.
O navio alemão cauteloso exporta dolicocéfalos arruinados.
Hamburgo, embigo do mundo.
Homens de cabeça rachada cismam em rachar a cabeça dos outros dentro de alguns anos

A Itália explora conscienciosamente vulcões apagados,
vulcões que nunca estiveram acesos
a não ser na cabeça de Mussolini.
E a Suiça cândida se oferece
numa coleção de postais de altitudes altíssimas.

Meus olhos brasileiros se enjoam da Europa.

Não há mais Turquia.
O impossível dos serralhos esfacela erotismos prestes a declanchar.

Mas a Rússia tem as cores da vida.
A Rússia é vermelha e branca.
Sujeitos com um brilho esquisito nos olhos criam o filme bolchevista e no túmulo de Lênin
...em Moscou parece que um coração enorme está batendo, batendo
mas não bate igual ao da gente...

Chega !
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos,
Minha boca procura a "Canção do Exílio".
Como era mesmo a "Canção do Exílio" ?
Eu tão esquecido de minha terra...
Ai terra que tem palmeiras
onde canta o sabiá !
(Alguma Poesia. Belo Horizonte: Edições Pindorama, 1930)


Canção do exílio

Murilo Mendes

Minha terra tem macieiras da Califórnia
Onde cantam gaturamos de Veneza
Os poetas da minha terra
São pretos que vivem em torres de ametista,
Os sargentos do exército são monistas, cubistas,
Os filósofos são polacos vendendo a prestações.

A gente não pode dormir
Com os oradores e os pernilongos
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.

Eu morro sufocado
Em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
Nossas frutas são mais gostosas
Mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
E ouvir um sabiá com certidão de idade!

Uma canção

Mário Quintana

Minha terra não tem palmeiras...
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.

Minha terra tem relógios,
Cada qual com sua hora
Nos mais diversos instantes...
Mas onde o instante de agora?

Mas a palavra "onde"?
Terra ingrata, ingrato filho,
Sob os céus de minha terra
Eu canto a Canção do Exílio.

Pátria minha

Vinícius de Moraes

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes."

Sextilhas românticas

Manuel Bandeira

Paisagens da minha terra,
Onde o rouxinol não canta
— Mas que importa o rouxinol?
Frio, nevoeiros da serra
Quando a manhã se levanta
Toda banhada de sol!

Sou romântico? Concedo.
Exibo, sem evasiva,
A alma ruim que Deus me deu.
Decorei "Amor e medo",
"No lar", "Meus oito anos"... Viva
José Casimiro Abreu!

Sou assim, por vício inato.
Ainda hoje gosto de Diva,
Nem não posso renegar
Peri, tão pouco índio, é fato,
Mas tão brasileiro... Viva,
Viva José de Alencar!

Paisagens da minha terra,
Onde o rouxinol não canta
– Pinhões para o rouxinol!
Frio, nevoeiros da serra
Quando a manhã se levanta
Toda banhada de sol!

Ai tantas lembranças boas!
Massangana de Nabuco!
Muribara de meus pais!
Lagoas das Alagoas,
Rios do meu Pernambuco,
Campos de Minas Gerais!

Sabiá

Chico Buarque e Tom Jobim

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De uma palmeira
Que já não há
Colher a flor
Que já não dá
E algum amor
Talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá


Marginália II

Torquato Neto e Gilberto Gil

eu, brasileiro, confesso
minha culpa meu pecado
meu sonho desesperado
meu bem guardado segredo
minha aflição
eu, brasileiro, confesso
minha culpa meu degredo
pão seco de cada dia
tropical melancolia
negra solidão:
aqui é o fim do mundo
aqui é o fim do mundo
ou lá
aqui o terceiro mundo
pede a bênção e vai dormir
entre cascatas palmeiras
araçás e bananeiras
ao canto da juriti
aqui meu pânico e glória
aqui meu laço e cadeia
conheço bem minha história
começa na lua cheia
e termina antes do fim
aqui é o fim do mundo
aqui é o fim do mundo
ou lá
minha terra tem palmeiras
onde sopra o vento forte
da fome do medo e muito
principalmente
da morte
o-lelê, lalá
a bomba explode lá fora
e agora, o que vou temer?
yes: nós temos banana
até pra dar,
e vender
aqui é o fim do mundo
aqui é o fim do mundo
ou lá

Jogos Florais

Cacaso

I

Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
Vive comendo o meu fubá.

Ficou moderno o Brasil
Ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre

II

Minha terra tem Palmares
memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.

Bem, meus prezados senhores
dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.

(será mesmo com dois esses
que se escreve paçarinho?)


Nova canção do exílio

Ferreira Gullar
para Cláudia

Minha amada tem palmeiras
Onde cantam passarinhos
e as aves que ali gorjeiam
em seus seios fazem ninhos
Ao brincarmos sós à noite
nem me dou conta de mim:
seu corpo branco na noite
luze mais do que o jasmim
Minha amada tem palmeiras
tem regatos tem cascata
e as aves que ali gorjeiam
são como flautas de prata
Não permita Deus que eu viva
perdido noutros caminhos
sem gozar das alegrias
que se escondem em seus carinhos
sem me perder nas palmeiras
onde cantam os passarinhos


Nova canção do exílio

Carlos Drummond de Andrade

a Josué Montelo

Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.

O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.

Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.

Onde é tudo belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá, na palmeira ao longe.)

Ainda um grito de vida e voltar
para onde tudo é belo e fantástico:
a palmeira, o sabiá, o longe.


Outra canção do exílio

Eduardo Alves da Costa

Minha terra tem Palmeiras,
Corinthians e outros times
de copas exuberantes
que ocultam muitos crimes.
As aves que aqui revoam
são corvos do nunca mais,
a povoar nossa noite
com duros olhos de açoite
que os anos esquecem jamais.

Em cismar sozinho, ao relento,
sob um céu poluído, sem estrelas,
nenhum prazer tenho eu cá;
porque me lembro do tempo
em que livre na campina
pulsava meu coração, voava,
como livre sabiá; ciscando
nas capoeiras, cantando
nos matagais, onde hoje a morte
tem mais flores, nossa vida
mais terrores, noturnos,
de mil suores fatais.

Minha terra tem primores,
requintes de boçalidade,
que fazem da mocidade
um delírio amordaçado:
acrobacia impossível
de saltimbanco esquizóide,
equilibrado no risível sonho
de grandeza que se esgarça e rompe,
roído pelo matreiro cupim da safadeza.

Minha terra tem encantos
de recantos naturais,
praias de areias monazíticas,
subsolos minerais
que se vão e não voltam mais.

A chorar sozinho, aflito,
penso, medito e reflito,
sem encontrar solução;
a não ser voar para dentro,
voltar as costas à miséria,
à doença e ao sofrimento,
que transcendem o quanto possam
o pensamento conceber
e a consciência suportar.

Minha terra tem palmeiras
a baloiçar, indiferentes
aos poetas dementes
que sonham de olhos abertos
a rilhar os dentes.

Não permita Deus que eu morra
pelo crime de estar atento;
e possa chegar à velhice
com os cabelos ao vento
de melhor momento.
Que eu desfrute os primores
do canto do sabiá,
onde gorjeia a liberdade
que não encontro por cá.

Canção do exílio

José Paulo Paes

lá ?
ah!
sabiá...
papá...
maná...
sofá...
sinhá...

cá ?
bah!



Lisboa: aventuras

José Paulo Paes

tomei um expresso
cheguei de foguete
subi num bonde
desci de um elétrico
pedi cafezinho
serviram-me uma bica
quis comprar meias
só vendiam peúgas
fui dar a descarga
disparei um autoclisma
gritei: "ó cara!"
responderam-se "ó pá!"
positivamente
as aves que aqui gorjeiam
não gorjeiam como lá


Canção do exílio mais recente

Affonso Romano de Sant’anna
para Fernando Gabeira

1

Não ter um país
a essa altura da vida,
a essa altura da história,
a essa altura de mim,
— é o que pode haver de desolado.

É o que de mais atordoante
pode acontecer ao pássaro e ao barco
presos desde sempre à linha do horizonte.

Desde menino
previvendo perdas e ansiedades
admitia
as mobílias em mudança, galinhas
mortas na cozinha, o incêndio em plena casa
e a infância com os amigos se afogando.



Mas sobre país
eu pensava ser como pai e mãe: para sempre.

País
era o quintal e a horta a alimentar a mim
e aos filhos com a sempre zelosa sopa do jantar.
País
era como a Amazônia: desconhecimento da gente
ou como o São Francisco: inteiramente pobre e nosso.

Hoje
meu pai, cansado, já se foi
minha mãe, com fé, já se prepara
e a horta
se não deu às pragas
— já foi toda cimentada.
Meus irmãos estão dispersos. Já não conversamos
como anjos adolescentes
debruçados sobre o sexo das tardes.

No entanto, há muito elaboro as perdas
e sigo a metamorfose das nuvens. Vi os corpos
mais amados se escoando no lençol
depois de ter sentido a fé fanar-se, digamos:
— ao mais leve frêmito carnal.

E após a tensa geografia caseira
com pai e mãe, seis filhos na mesma mesa e igreja,
ano após ano, pasmo percebo
que meus irmãos iam-se partindo
como aqueles que, mais tarde, num gesto

[guerrilheiro
foram domar o dragão do castelo e a cidadela
a tropeçar nas celas e fronteiras
e a fenecer exílios e quimeras.

2

Ter ou não ter: — eis o sertão
a lei do cão, de Lampião
— embora Padinho Cícero e seu sermão.
Que tudo é deles
que me têm, detêm, retêm
o meu direito e o passaporte,
a identidade e os impostos
e o medo com que abro a porta,

que tudo é deles:
o arado e a bosta do prado,
a colheita e o mofo do pão,
o berro-boi contido e o ferro em brasa
— com que marcam a canção,

que tudo é deles:
os rios com seus mangues,
os picos da neblina assassina,
os pedágios da impotência
e a inclemência nordestina.

País. Como encontrar-se num, se mesmo o nosso quarto
[(antigo exílio)
a militar família penetra e fuxica
a vasculhar diários e delírios?
Como encontrar-se num

se a natureza do corpo
— paisagem antiga e íntima —
a milícia dos tratores desmonta e violenta
na fabril poluição?

Será que sou um palestino? alguém que já perdeu
de antemão todas as guerras? ou será que sou aqueles alemães
que vi nas margens do Reno
— cuidando de suas hortas e flores,
e sobre as derrotas e canteiros
vão refazendo seus filhos por cima da cicatriz
a carregar a encapotada alma
viva e torta?

Ter ou não ter, eis meu brasão,
ou refrão dessa impotente canção.
Se trágico é o poder
— o não poder
sempre foi triste.

Mas não posso, é proibido
não ter um país, dizem-me na alfândega.
No entanto, este não me serve, como não me serviram
os outros, quando os habitei maravilhado entre castelos
e vitrinas, entre hambúrgueres e neblinas, entre as coxas
claras das donzelas dos contos da carochinha.

Este não me serve, assim dessa maneira,
a me impingirem idéias mortas, me vestirem camisas-
de-força, fraques e cartolas tolas
— e eu sabendo que o defunto é bem maior.

— Viver é isso? — É descobrir na pele dobras
de paisagens novas, e lá fora ir perdendo a vista antiga?
— É renunciar ao ontem, refazer o ato?
e saber que em nosso corpo e país
— o amanhã é um fogo-fátuo?

E eu aqui, no nenhum-desse-lugar, estrangeiro
exilando-me ao revés, vendo o passaporte roto de traças
que transferem
para o nada
a carcomida face.

3

Mas, às vezes, em pleno tédio, em calmaria
— ao largo
fico como os parvos navegantes, à mercê dos fados
sonhando no astrolábio
chegar às Índias pelo avesso.
À espera
que um vento louco me enfune as pandas velas
desoriente-me a nau e o sangue marinheiro
e eu chegue à terra santa e profanada
onde me esperam as tribos com festões e danças.
E eu
jogando ao mar a cruz e a espada
correndo para a praia
peça para ser o menor deles
e me aquecer à luz do fogo
em meio à taba
e transformar meu vil degredo
— em eterna festa.

quarta-feira, junho 21, 2006

Apostila da primeira série

Textos, testes, trabalhos e tramas...

CATAR FEIJÃO

"Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.

Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco."

(João Cabral de Melo Neto).


A definição de literatura como a "arte de compor ou escrever trabalhos artísticos em prosa ou em verso" refere-se a arte literária. A acepção - "O conjunto de trabalhos literários dum pais ou duma época - refere-se ao objeto de estudo da história da literatura. " Obras e não livros, movimentos a manifestações literárias sérias a conseqüentes, a não modas a rodas literárias, são, a meu ver, o imediato objeto da história da literatura."
É o que afirma José Veríssimo. Cumpre ao historiador da literatura destacar esses movimentos sérios e conseqüentes, relacionando-os a determinado momento histórico, ou seja, a um momento econômico, político a social. Seria impossível isolarmos, por exemplo, o Romantismo da Revolução francesa, o Realismo do manifesto comunista de Marx e Engels, do Evolucionismo de Darwin, das lutas proletárias, das transformações econômicas, políticas a sociais da Segunda metade do século XIX; Os Lusíadas da expansão do império português
Esses movimentos, em determinado contexto histórico cultural, apresentam características genéricas tanto no plano formal como no plano das idéias, resultando assim em estilos de época. Entretanto, cada autor trabalha de modo pessoal essas características, resultando disso um estilo individual.

Periodização da literatura brasileira: As eras a as escolas

A literatura brasileira tem sua história dividida em duas grandes eras, que acompanham a revolução política a econômica do país: A Era Colonial e a Era Nacional, separadas por um período de transição que corresponde a emancipação política do Brasil. As eras apresentam subdivisões chamadas de escolas literárias ou estilos de época. Dessa forma, temos:



Era colonial
(1500 a 1808) Quinhentismo (1500 a 1601)
Seiscentismo ou Barroco (1601 a 1768)
Setecentismo ou Arcadismo
(1768 a 1808)
Período de transição (1808 a 1836)
Era Nacional
(1536 - atualidade) Romantismo (1836 a 1881)
Realismo (1881 a 1893)
Simbolismo (1893 a 1922)
Modernismo (1922 a 1945)
Pós-Modernismo (1945 - atualidade)

O Quinhentismo brasileiro

Momento histórico

A Europa do século XVI vive o auge do Renascimento, com a cultura humanística desmantelando 05 quadros rígidos da cultura medieval; o capitalismo mercantil avança com o desenvolvimento da manufatura a do comércio internacional; o êxido rural provoca um surto de urbanização.
Assim é que o homem europeu, especificamente o ibérico, apresenta em pleno século XVI duas preocupações: a conquista material, resultante da política das grandes navegações, e a conquista espiritual, resultante, no caso português, do movimento de contra-Reforma.

A literatura informativa

A literatura informativa, também chamada de literatura dos viajantes ou dos cronistas, reflexo que é das Grandes Navegações, empenha-se em fazer um levantamento da "terra nova", de sua flora e fauna, de sua gente. Daí ser uma literatura meramente descritiva e, como tal, sem grande valor literário.

O Barroco

O termo barroco denomina genericamente todas as manifestações artísticas dos anos 1600 a início dos anos 1700. Além da literatura, estende-se a música, pintura, escultura e arquitetura da época.
Mesmo considerando o Barroco o primeiro estilo de época da literatura brasileira e Gregório de Matos o primeiro poeta efetivamente brasileiro, com sentimento nativista manifesto, na realidade ainda não se pode isolar a Colônia da Metrópole. Ou, como afirma Alfredo Bosi:
"No Brasil houve ecos do Barroco europeu durante os séculos XVII E XVIII: Gregório de Matos, Botelho de Oliveira, Frei Itaparica a as primeiras academias repetiram motivos a formas do barroquismo ibérico a italiano."
A origem da palavra barroco é controvertida. Alguns etimologistas afirmam que está ligada a um processo mnemônico (relativo a memória) que designava um silogismo aristotélico com conclusão falsa. Segundo outros, designaria um tipo de pérola de forma irregular, ou mesmo um terreno desigual, assimétrico.
Em qualquer das hipóteses, a possível perceber relações com a estética barroca: jogo de idéias, rebuscamento, assimetria.

Momento histórico

Portugal vive uma crise dinástica: em 1578, levando adiante o sonho megalomaníaco de transformar Portugal novamente num grande império, D. Sebastião aventura-se em Alcácer-quibir (África), onde desaparece; dois anos depois, Filipe II da Espanha consolida a unificação da Península Ibérica. Tal situação mantém-se até 1640, quando ocorrerá a Restauração (Portugal recupera sua autonomia).
A unificação da Península veio favorecer a luta conduzida pela companhia de Jesus em nome da Contra-Reforna: o ensino torna-se quase um monopólio dos jesuítas, e a censura eclesiástica, um obstáculo a qualquer avanço no campo cientifico-cultural. Enquanto a Europa vive um periodo de efervescência no campo científico, com as pesquisas e descobertas de Francis Bacon, Galileu, Kepler a Newton, a Península Ibérica permanece um reduto da cultura medieval.
É nesse clima que se desenvolve a estética barroca, notadamente nos anos de domínio espanhol, já que a Espanha é o principal foco irradiador do novo estilo.

Características

Todo o rebuscamento que aflora na arte barroca é o reflexo do conflito entre o terreno e o celestial, o homem a Deus (antropocentrismo e teocentrismo), o pecado e o perdão, a religiosidade medieval e o paganismo renascentista, o material e o espiritual, dilema que tanto atormenta o homem do século XVII.

O Arcadismo..

Momento histórico

Em meados do século XVIII, na Inglaterra e na Franca a burguesia nascente passa a dominar a economia do Estado, através do intenso comércio ultramarino e da multiplicação de estabelecimentos bancários, assenhoreando-se mesmo de uma parte da agricultura. A velha nobreza arruína-se; os religiosos, com suas polêmicas, levam os problemas teológicos ao descredito. Em toda a Europa as circunstâncias são semelhantes, e a influência do pensamento burguês se alastra.

Características

Os modelos seguidos são os clássicos greco-latinos a os renascentistas; a mitologia pagã é retomada como elemento estético. Dai a escola ser também conhecida como Neoclassicismo.
Inspirados na frase de Horacio Fugere urbem ("fugir da cidade") e na teoria de Tousseau acerca do " bom selvagem ", os árcades voltam-se para a natureza em busca de uma vida simples, bucólica e pastoril. E a procura do locus amoenus, de um refúgio ameno em oposição aos centros urbanos monárquicos; a luta do burguões; culto contra a aristocracia se manifesta nessa busca da natureza. Mas é preciso salientar que esse objetivo configurava apenas um estado de espírito, um posição política e ideológica, uma vez que todos os árcades viviam nos centros urbanos e, burgueses que eram, lá estavam seus interesses econômicos. Havia, portanto, uma contradição entre a realidade do progresso urbano e o mundo bucólico por eles idealizado. Por isso se justifica falarem fingimento poético no Arcadismo, fato que transparece no uso dos pseudônimos pastoris. São exemplos o pobre pastor Dirceu, pseudônimo adotado pelo Dr. Tomás Antonio Gonzaga e o guardador de rebanhos Glauceste Saturno, pseudônimo do Dr. Cláudio Manuel da Costa

O Romantismo

Momento histórico

Na Segunda metade do século XVIII, o processo de industrialização havia modificado as antigas relações econômicas, criando na Europa uma nova forma de organização política e social, que muito influenciaria os tempos modernos. O grande marco dessas mudanças é a Revolução Francesa, tão exaltada por Gonçalves de Magalhães:
"Hoje o Brasil é filho da Civilização francesa, a como Nação é filho dessa revolução famosa que abalou todos os tronos da Europa, a repartiu com os homens a púrpura e o cetro dos reis..”
Assim é que na Europa, em conseqüência do processo de industrialização e da ascensão da burguesia ao poder político, o plano social delineia-se em duas classes distintas e antagônicas. Embora atuassem parelhas durante a Revolução: a classe dominante, agora representada pela burguesia capitalista industrial, e a classe dominada, representada pelo proletariado. O Romantismo, no dizer de um historiador, foi uma escola "da burguesia, pela burguesia a para a burguesia", de onde seu caráter profundamente ideológico em favor da classe dominante (inclusive com algumas manifestações de rebeldia por parte de pequeno-burgueses insatisfeitos).

Características

Quanto ao aspecto formal, a literatura romântica se desvincula completamente dos padrões e normas estéticas do classicismo. O verso livre, sem métrica e sem estrofação, e o verso branco, sem rima, caracterizam a poesia romântica, prevalecendo assim, o "acento da inspiração". Repare como a forma livre pregada pelo poeta casa-se perfeitamente ao ideal romântico do individualismo, da expressão subjetiva, do primado da emoção.
Quanto ao conteúdo, os românticos cultivavam o nacionalismo, que se manifestava na exaltação da natureza pátria, no retorno ao passado histórico e na criação do herói nacional (no caso das literaturas européias, esses heróis nacionais são belos e valentes cavaleiros medievais; na literatura brasileira, os heróis são os índios, não menos belos, valentes e civilizados). Da exaltação do passado histórico nasce o culto à Idade Média, que além de representar as glórias e tradições do passado, assume o papel de negar os valores da Antigüidade clássica, como o paganismo. O romântico promove uma volta ao catolicismo medieval: "na gótica catedral, admirando a grandeza de Deus, e os prodígios do Cristianismo", como afirma Gonçalves de Magalhães.
A natureza assume múltiplos significados: ora é um prolongamento do próprio poeta e de seu estado emocional, ora um a extensão da pátria, ora é refúgio à vida atribulada dos centros urbanos do século XIX.

Vejamos agora o ensaio do professor Valentim Facioli , da Universidade de São Paulo, que trás maiores detalhes sobre o Romantismo no Brasil:

Pátria, natureza e sentimentos


I - Situação histórica

Nos quase 50 anos que vão de 1836 (publicação dos Suspiros poéticos e saudades) a 1880/1 (Memórias póstumas de Brás Cubas e O mulato), predomina na literatura brasileira o Romantismo. O início do movimento coincide com o período logo posterior à Independência, exatamente durante as Regências, isto é, aquela fase, de cerca de 10 anos, que vai da abdicação de D. Pedro 1 à proclamação da maioridade de D. Pedro II. Por isso, nesse período inicial, o Romantismo se identifica com o projeto nacionalista de "fundação do país" através da fundação de uma literatura propriamente brasileira.
Esse projeto romântico consistiu, basicamente, na intenção de dotar o país. de uma literatura que expressasse aquilo que tínhamos de típico, de nacional, de nosso, que fosse diferente de qualquer outro país. Ao mesmo tempo, uma literatura que pudesse ser comparada, sem desvantagens, com qualquer outra dos países europeus. Assim, nossos escritores românticos sentiam-se como vivendo uma importante missão, a de demonstrar, também, através da literatura, que o Brasil era um país civilizado e evoluído, à altura de ser comparado com os da Europa.
Isso se fez através da apresentação de uma visão elogiosa e grandiloqüente dos vários aspectos do pais, em especial a natureza e os sentimentos, pela demonstração de que estávamos integrados no novo espírito a na nova sensibilidade romântica européia. Para que isso se completasse, eles tiveram uma visão das necessidades de conjunto do país, naquele momento, e passaram a estimular ou promover a criação de um teatro nacional e uma historiografia brasileira. Companhias teatrais foram organizadas, casas de espetáculos criadas, fundou-se o Instituto Histórico e Geográfico Nacional. Surgiu também uma Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional.
Assim, podemos entender que a criação de uma literatura nacional pelos românticos supunha uma "organização da inteligência nacional", por "um modo que aproveitasse a todos as brasileiros". Para tanto, a poesia, o romance e o teatro procuraram "revelar" os vários e diferentes aspectos do país e do homem brasileiro: os sentimentos de amor à pátria, de grandeza do território brasileiro, de beleza e majestade da natureza, de igualdade de todos os habitantes do país, da benevolência e hospitalidade do caráter do povo, das grandes virtudes dos nossos costumes patriarcais, das incomuns qualidades afetivas e morais da mulher brasileira, do alto padrão da nossa civilização e da nossa privilegiada paz social. Essa visão e essas crenças "influíram fortemente no espírito dos brasileiros da época do Romantismo, determinando-lhes, a par de todo um comportamento político e social, uma peculiar concepção da realidade material e moral da pátria, e, muito particularmente, (...) uma temática literária .
Entretanto, para nós, leitores de hoje, é importante compreender que o Brasil não correspondia à imagem que os românticos divulgavam e elogiavam. Por volta de 1850, a população do país era de pouco mais de 8 milhões de habitantes: 5,5 milhões dos quais eram homens livres, e 2,5 milhões, escravos. Do total de habitantes, os alfabetizados eram apenas 15 a 20%. A economia do país era quase exclusivamente rural, agrícola, à custa do trabalho escravo. Importávamos tudo o que era consumido de origem industrial: roupas, calçados, móveis, papel (inclusive livros), máquinas etc.., etc.. A sociedade estava dividida em duas classes básicas: a dos senhores e a dos escravos. Os homens livres, não-proprietários, viviam em estreita dependência econômica, pessoal e moral dos grandes proprietários rurais, através de relações de favor e proteção. Esses proprietários constituíam a base do poder político que se consolidou no país após a abdicação de D. Pedro 1, em 1831. E, com a derrota doe vários movimentos populares, nas Províncias ou na Corte, os grandes proprietários organizaram a vida política do Império de modo a fazer prevalecer seus interesses e privilégios sobre todos.
Só depois de 1870 esse poder começou a sofrer alguns abalos, com as leis antiescravocratas (a proibição do tráfico, a Lei do Ventre Livre, a dos Sexagenários) e com o surgimento de uma classe de comerciantes nas cidades, politicamente mais liberais a cujos interesses conflitavam, às vezes, com os dos proprietários rurais. Ao mesmo tempo, o avanço de conquistas sociais e políticas na Europa capitalista teve forte influxo sobre o Brasil, produzindo uma corrente intelectual crítica que passou a denunciar a escravidão, as misérias, as desigualdades e o atraso em que vivia o Império. Isso explica, inclusive, o aparecimento de um poeta como Castro Alves, o poeta dos escravos, já em fins da década de 1860.
No Brasil dessa época só podiam votar e ser votados os proprietários que tivessem altos rendimentos. Isso fazia da política e das decisões sobre o país e o povo um negócio fechado no interior de um pequeno grupo social, o qual governava em favor de si próprio. As escolas eram em número muito pequeno. Entre os ricos, a educação se fazia em casa, com tutores ou professores particulares. Entre os menos ricos e os pobres, campeava o analfabetismo puro e simples. As mulheres raramente saíam em público e, mesmo no interior das casas, não costumavam aparecer para visitas estranhas, como se pode ver, por exemplo, no romance Inocência, do Visconde de Taunay.
Esse panorama dominante sofreu modificações nas cidades, especialmente no Rio de Janeiro, que era a Corte, sede do Império. Ali floresceu um comércio mais intenso de mercadorias e de idéias; surgiram os teatros, os bailes; as ruas movimentaram-se; a burocracia civil e militar conseguiu certa autonomia em relação aos proprietários e políticos conservadores. E o surgimento de algumas escolas médias e superiores (Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e São Paulo) favoreceu o crescimento de um bom número de jovens mais liberados dos rígidos controles patriarcais. As próprias mulheres puderam sair da reclusão em que eram mantidas. Na verdade, os jovens estudantes, a burocracia a as mulheres mais liberadas constituíram o pequeno público que lia e consumia a literatura romântica, tanto aquela produzida aqui, quando a importada da Europa, especialmente da França.
Os escritores românticos brasileiros dirigiam-se, portanto, a um público pequeno a ideologicamente restrito, tanto quanto o eram os próprios escritores, identificados ou com pequenas diferenças em relação aos valores, às crenças e mesmo aos interesses da classes dos proprietários politicamente dominantes.
Mas, nós, leitores de hoje, podemos facilmente perceber que a Romantismo era bastante contraditório. De um lado, importava formas artísticas e conteúdos sociais da Europa, onde o Romantismo estava identificado com certos valores burgueses, que no Brasil ainda não eram aceitos. De outro, nossos românticos escreviam num país muito atrasado em relação à Europa, mas precisavam mostrar-nos como progressistas e civilizados. O resultado é que nosso Romantismo, lido com uma perspectiva atual, parece ao mesmo tempo novo e de grande vitalidade - pois começa uma literatura que ainda não existia verdadeiramente -, conforme nossas condições sociais e intelectuais. E parece também frágil e imitador no conjunto das literaturas do Ocidente. Daí parecer renovador e conservador a um só tempo; fazer conviver o liberalismo e a escravidão; exaltar conjuntamente o índio e o branco colonizador; apresentar-se brasileiro com um certo ponto de vista europeu.

II - Neoclassicismo a Pré-romantismo

Vamos agora ver que o Romantismo, contudo, não surgiu de repente em nosso país, simplesmente trazido da Europa para cá, como modelo copiado. De fato, houve um longo período anterior, em que podemos encontrar alguns sintomas de renovação formal a temática que ainda não era romântica nem seguia completamente as "regras" da arte clássica. Os poetas do Neoclassicismo ou Arcadismo, no Brasil, escrevendo aqui ou em Portugal, manifestaram-se de modo a salientar certos elementos nacionais da natureza, do indígena e da sociedade em geral.
Ao mesmo tempo houve entre eles o desenvolvimento de uma consciência de que eram "escritores brasileiros", apesar de ainda sermos colônia de Portugal. Eles também já pensavam em promover sua terra no nível das nações civilizadas. Por isso, no. fim do período arcádico, podemos ver que há entre eles um verdadeiro senso de missão do escritor, que se mistura com o crescimento do desejo de autonomia ou independência do pais.
Assim, mesmo nas Obras de Cláudio Manuel da Costa (1750), podemos ver que a "realidade tosca" do país aparece em oposição á paisagem harmônica e "convencional" da poesia árcade:

Leia a posteridade, ó pátrio Rio,
Em meus versos teu nome celebrado,
Por que vejas uma hora despertado
O sono vil do esquecimento frio:

Não vês nas tuas margens o sombrio,
Fresco assento de um álamo copado;
Não vês Ninfa cantar, pastar o gado
Na tarde clara do calmoso estio.

Ou:

Destes penhascos fez a natureza
O berço, em que nasci: oh quem cuidara,
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!

Nascido em Minas Gerais, na zona da mineração, Cláudio M. da Costa incorpora a paisagem da terra natal, chegando mesmo a escrever um poema longo "a Fábula do Ribeirão do Carmo, rio o mais rico desta Capitania, que corre, e dava o nome à Cidade Mariana, minha Pátria, quando era Vila".
Também Frei José de Santa Rita Durão escreve o poema épico Caramuru, imitando Os lusíadas, de Camões, para valorizar o episódio do descobrimento do Brasil, movido de "amor à pátria", com fortes elementos nativistas, louvando a terra brasileira, o clima, a fertilidade, as riquezas naturais, e incorporando o indígena através do relato de seus hábitos, costumes, instituições.
O mesmo ocorre com Basílio da Gama, mineiro como os outros dois, que escreve O Uraguai, que "reestrutura o poema épico de maneira a violentar o seu esquema tradicional". Incorpora a paisagem nacional e o elemento indígena recebe um tratamento literário que o valoriza para além da preocupação documental até então dominante.
E, ainda, Tomás Antônio Gonzaga escreve as Cartas chilenas, satirizando a corrupção política e administrativa do colonizador português em Minas Gerais.
Pouco mais tarde, outros poetas já podem ser considerados "pré-românticos", especialmente porque há neles certas preferências temáticas e aceitação de fontes e modelos fora das limitações clássicas. Esse período, grosso modo, podemos localizá-lo entre a chegada da família real portuguesa, em 1808, e a publicação dos Suspiros poéticos e saudades. Entre esses autores, podem ser aceitos: José Elói Ottoni (Provérbios de Salomão, 1815); Frei Francisco de São Carlos (A Assunção da Santíssima Virgem, 1819); Sousa Caldas (Salmos de Davi; Poesias sacras e profanas, 1820-21); José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da independência (Poesias avulsas de Américo Elísio, 1825); e, ainda, o Frei Francisco do Monte Alverne, pregador de grande influência, cujas Obras oratórias só foram publicadas bem mais tarde, em 1853. O mesmo Gonçalves de Magalhães, iniciador do nosso Romantismo, publicou um volume de Poesias, em 1832, que se pode considerar uma obra na qual "convergiram e se evidenciaram os bons e os maus resultados" do nosso neoclassicismo.
Enfim, esses autores expressaram forte religiosidade (catolicismo), exaltaram alguns aspectos da natureza do país, tornaram o índio um tema literário, e defenderam, quase, sempre implicitamente, uma ideologia "liberal" de um monarquismo constitucionalista. Foram nativistas e comprometidos com certos aspectos do Iluminismo, como, por exemplo, o valor e importância da educação. Realizaram nas suas obras algumas inovações (pequenas) formais, de estilo e dicção. Com tudo isso, os árcades e pré-românticos como que produziram uma atmosfera intelectual e literária que favoreceu e facilitou a chegada do Romantismo no país, quando os fundamentos do império agrário a patriarcal se consolidavam, com a independência fora de perigo, ambiente, enfim, favorável ao germinar e florescer do Romantismo entre nós.

III - As gerações românticas

Como o Romantismo durou quase meio século, foram muitos os autores que escreveram sob sua influência. Esses autores apresentam diferenças e semelhanças entre si. Por isso, com base principalmente nas diferenças, podemos agrupá-los em gerações, isto é, grupos de autores que se assemelhem e tenham vivido mais ou menos no mesmo período, e, ao mesmo tempo, se diferenciem de outros. Vamos, agora, ver quais são os aspectos principais que caracterizam as três gerações de românticos brasileiros.
Primeira Geração: Predomínio do nacionalismo e patriotismo, através da "descoberta" de aspectos característicos da paisagem local, nacional e tropical, onde se realça o típico, o exótico e a beleza natural, exuberante, em oposição à paisagem e natureza européias. Aparecimento do Indianismo, tanto na poesia lírica quanto na tentativa de produção de uma poesia épica. O índio, tomado já como lenda e mito do passado colonial ou anterior à descoberta, é encarado como elemento formador do povo brasileiro, como nas obras de Gonçalves Dias e Gonçalves de Magalhães. Forte religiosidade (oficialmente católica) que identifica as possibilidades da poesia romântica com o sentimento cristão, em oposição ao "paganismo" da poesia neoclássica ligada à tradição greco-latina. Poesia amorosa, idealizante e fortemente sentimental, marcada par certa influência da lírica portuguesa, a medieval, a camoniana, e a dos românticos (Garrett, principalmente). Quanta às formas poéticas, há renovação em relação ao passado, na linguagem literária propriamente, no uso do ritmo, da rima, na liberdade de versificação e na livre invenção da estrutura poemática, a fim de alcançar maior expressividade e adequação aos temas. Essa geração de poetas viveu o "sentimento de missão", especialmente no sentido de se identificar com a projeto de "construção" do país novo, por isso mesmo que “inventou" os principais temas nacionalistas/patrióticos. Chegou a praticar um certo antilusitanismo, mas, principalmente, pendeu para o oficialismo e conservadorismo da postura, alinhando-se com a política "estabilizadora" do início do Segundo Reinado, fixando traços passadistas e contribuindo para a consolidação da ideologia oficial do Império agrário-escravocrata, embora repisando, como retórica apenas, o tema da liberdade, a vários dos valores e crenças a que nos referimos anteriormente. Magalhães, Gonçalves Dias e Araújo Porto Alegre são as principais figuras desta geração.
Segunda Geração: A maioria das características da geração anterior, em geral, permanece nesta (exceto o indianismo, que passa a ser o grande tema do romance de Alencar, final de 1850 e durante a década seguinte), mas há um deslocamento importante da ênfase. Quer dizer, o que fora predominante passa a ser "influência" que permanece secundariamente, e os poetas assumem agora um extremo subjetivismo, passando à imitação de outros poetas europeus (Lord Byron, inglês; Alfred Musset, francês, especialmente), centrando-se numa "temática emotiva de amor e morte, dúvida e ironia, entusiasmo e tédio". A evasão e o sonho caracterizam o egotismo dessa geração, isto é, o culto do EU, da subjetividade, através da tendência para "o devaneio, o erotismo difuso ou obsessivo, a melancolia, o tédio, o namoro com a imagem da morte, a depressão, a auto-ironia masoquista" .
O byronismo aparece através da figura do homem fatal, de faces pálidas, macilentas, olhar sem piedade, marcado pela melancolia incurável, desespero a revolta, conjuntamente com a imagem do poeta genial, mas desgraçado e perseguido pela sociedade, condenado à solidão, incompreendido par todos, desafiando o horror do próprio destino. O mal do século, uma doença indefinível, entedia e faz desejar a morte como a única via de libertação. Na verdade, a imagem de uma contradição insolúvel entre o excesso de energia interior, do eu, a procura do absoluto, e os limites das condições reais dos homens e da sociedade. O mal do século expressa, para esta geração, o choque entre as aspirações e desejos excessivos da vida e dos sonhos e a impossibilidade de realização. Daí por que o tédio, a agonia, o sentimento de morte devastam a alma romântica.
Acrescente-se a esses aspectos o satanismo, isto é, o culto de Satã, o anjo que se rebelou contra Deus, como o culto do rebelde, do espírito independente, capaz de todos os gestos heróicos a de todas as maldades. Não poucas vezes o poeta romântico se identifica com Satã, como imagem de sua própria condição de poeta insatisfeito. Aparecem também nesta geração algumas idéias mais acentuadamente liberais, e há um aprofundamento da pesquisa lírica da linguagem literária e da estrutura dos poemas. São dessa geração: Casimiro de Abreu, Laurindo Rabelo, Álvares de Azevedo, Junqueira Freire, Fagundes Varela a Bernardo Guimarães.
Terceira Geração: Os poetas desta geração guardam enormes diferenças entre si, especialmente Castro Alves e Sousândrade. Por isso, esta é a geração mais heterogênea do Romantismo no Brasil. Castro Alves, escrevendo em fins da década de 60, já expressa a "crise do Brasil puramente rural" e "o lento mas firme crescimento da cultura urbana, dos ideais democráticos e, portanto, o despontar de uma repulsa pela moral do senhor-servo, que poluía as fontes da vida familiar e social no Brasil Império" ³. Por isso, os ideais abolicionistas e o culto do progresso são o fundo ideológico de sua poesia, que se faz eloqüente, grandiloqüente, oratória, repassada de imagens e metáforas de grandeza, de titanismo. Marcada de forte indignação, a poesia de Castro Alves faz-se liberal, renovando o tema amoroso, liberando-o das noções de pecado e culpa, cultivando um erotismo sensual, de prazer, e denunciando a escravidão; abrindo, portanto, "baterias poéticas" contra o conservadorismo e o atraso mental/moral do Império e as injustiças da ordem social. Tomando imagens à natureza, "sugere a impressão de imensidade, de infinitude: os espaços, os astros, o oceano, o 'vasto sertão', o 'vasto universo', os tufões, as procelas, os alcantis, os Andes, o Himalaia, a águia, o condor..:" . Enfim, influenciado par Victor Hugo (embora confessando também influências de Fagundes Varela e Gonçalves Dias), Castro Alves (e, em parte, Tobias Barreto) é o poeta condoreiro, "o poeta dos escravos", já Sousândrade, que começa coma poeta próximo da Segunda Geração, torna-se uma voz destoante do nosso Romantismo, entrando na Terceira Geração apenas por cronologia.
Esquecida durante meio século, sua poesia, conquanto marcada também pelo abolicionismo e republicanismo, realiza-se diferentemente dos românticos, porque repassada de grandes novidades temáticas e formais. O processo de composição poética volta-se para inesperados arranjos sonoros, pelo uso de diversas línguas integrativamente, com ousados "conjuntos verbais" que, quebram mesmo a estrutura sintática da língua portuguesa. A par com isso, por ter vivido anos nos Estados Unidos, foi capaz de captar os novos modos de vida do capitalismo industrial e urbano (o "Inferno de Wall Street", do poema O guesa), fundindo-os com certas tradições míticas e culturais dos índios, especialmente os da América espanhola (os quíchuas). "Símbolo do selvagem que o branco mutilou, o canto do novo herói inverte o signo do Indianismo conciliante de Magalhães e Gonçalves Dias, cantores, ao mesmo tempo, do nativo e do colonizador europeu." 5 Como se vê, a profunda distância entre os poetas desta Terceira geração, e entre estes e os anteriores, bem demonstra já um início de fim do Romantismo e a diluição de sua estética e ideologia.

IV - Estética e linguagem

Vamos agora analisar alguns aspectos artísticos do movimento romântico. Ele, sob o influxo da nova sensibilidade, da consciência dos novos tempos, dos novas temas, das novas exigências de expressão, operou uma ampla a profunda renovação formal das artes. Embora retornasse diversos elementos da tradição medieval, maneirista e barroca, soube retrabalhá-los no impulso geral de renovação, imprimindo marca própria ao que reaproveitou. Assim, a liberdade de expressão era uma exigência decisiva para dar conta da nova matéria artística. Por isso, o Romantismo questionou, desmoralizou e finalmente destruiu o velho princípio clássico da imitação dos modelos antigos. Para os românticos, a expressão artística única, irrepetível correspondia a expressão do indivíduo e suas inumeráveis emoções como únicos a irrepetíveis, iluminação súbita e inspirada. Daí o surgimento de uma poética da "invenção" e da "novidade" como busca permanente da expressão de cada indivíduo, de cada momento, de cada sentimento, de cada paixão, como algo único a irrepetível. Essa necessidade se impõe à estrutura do poema, ao ritmo, à rima, à dicção, à métrica, à alternância de versos longos e curtos, às metáforas ousadas, às hipérboles, ao aproveitamento da linguagem poética em todas as suas. potencialidades musicais a expressivas. Por isso, a simples observação ligeira mostra-nos diferenças notáveis entre os poetas românticos, enquanto os neoclássicos, par exemplo, mais se assemelham por seguirem com certo rigor os modelos tradicionais. No dizer de Gonçalves de Magalhães: "Quanta à forma, isto é, a construção, por assim dizer,
material das estrofes, e de cada cântico em particular, nenhuma ordem seguimos; exprimindo as idéias como elas se apresentaram, para não destruir o acento da inspiração; além de que, a igualdade dos versos, a regularidade das rimas, e a simetria das estâncias produz uma tal monotonia, e dá certa feição de concertado artifício que jamais podem agradar. Ora, não se compõe uma orquestra só com sons doces e flautados; cada paixão requer sua linguagem própria, seus sons imitativos, e períodos explicativos" (Prefácio aos Suspiros poéticos e saudades).
Altera-se, assim, profundamente, a relação que o artista romântico mantém com a linguagem, com a palavra. Ao equilíbrio neoclássico, ele contrapõe o desequilíbrio inovador e experimental, de modo que a linguagem passa a ser um simples intermediário entre as emoções do poeta e seu leitor. Estas é que, sobretudo, importam. A linguagem é vista como impotente, incapaz de expressar toda a emoção e o sentimento. Diante da carga nova da sensibilidade e da intuição é necessário que as regras do código (isto é, a gramática da língua) sejam questionadas, que as categorias da razão sejam descartadas e sobressaia a palavra carregada de sentimentos do coração do poeta para o coração do leitor. Isso fez com que o poeta romântico privilegie o emissor (o eu, a função emotiva da linguagem, isto é, aquele que fala), comportando-se diante da palavra com a desconfiança que, por assim dizer, ele inaugura na literatura ocidental moderna. Ao mesmo tempo, o romântico torna-se irônico, ou seja, diz algo para fazer significar outra coisa, porque sabe do caráter contraditório da realidade, que para ele tem uma essência diferente da aparência. Busca superar as contradições mediante a projeção do eu na procura do absoluto e do ilimitado, da essência, enfim. A ironia decorre da desconfiança para com a linguagem, desconfiando também da obra de arte como capaz de expressar o absoluto e a essência. Assim, a arte diz menos do que o artista sente, a expressa um mundo menos complexo do que aquele que ele percebe.
Na poesia romântica brasileira, a ironia não é muito comum, mas aparece forte, especialmente em Sousândrade e em Álvares de Azevedo. Este último, que escreveu também poemas humorísticos ("Namoro a cavalo"), produziu "Idéias íntimas", um poema irônico por excelência; mais que irônico, paródico e gozador do próprio Álvares nos momentos em que escrevia a sério, é o poema "Spleen e charutos":

"Teu romantismo bebo, ó minha lua,
A teus raios divinos me abandono,
Torno-me vaporoso, e só de ver-te
Eu sinto os lábios meus se abrir de sono".
Ou esta estrofe galhofeira:

"Vale todo um harém a minha bela,
Em fazer-me ditoso ela capricha;
Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Como ao sol de verão a lagartixa".

V - Importância do Romantismo no Brasil
Porque coincide com o período de afirmação do país independente, o Romantismo tem para a literatura brasileira excepcional significação. Significa o início do processo de diferenciação da nossa com a literatura portuguesa, mediante a diferenciação temática e de linguagem. O Romantismo quebrou a estreita dependência lingüística que nos prendia à tradição literária portuguesa, pela incorporação de peculiaridades vocabulares e sintáticas e por procurar um ponto de vista nacional brasileiro. Ao mesmo tempo, pelas contradições inerentes ao nosso país e pelas profundas diferenças entre o lmpério brasileiro e a Europa burguesa, o Romantismo impregnou-se de contradições que bem expressam a situação global de adaptação de uma profunda corrente cultural e artística, nascida no exterior, às condições do Brasil, país atrasado, dependente e preso à órbita da Europa.
Nesse sentido, o Romantismo tem um papel muito complexo de atualização do nosso país a certos padrões sociais e culturais europeus, contribuindo, poderosamente, para a integração, aqui, de valores burgueses da Europa ocidental, favorecendo a circulação social desses valores. Mas, como manifestação artística e ideológica não pôde, por si mesmo, mudar a nossa realidade material e cultural. Por isso, instalou-se como forte contradição em vários planos, obrigando-se a falar em liberdade e igualdade num pais escravocrata, sem assumir, portanto, (a não ser com a Terceira Geração) a luta pela abolição. Ainda assim, o Romantismo adquiriu aqui a vitalidade dos movimentos profundos e inovadores, fundando nossa literatura como nacional, com as características e aspectos do país, descobrindo-o e exaltando-o. Se muitas vezes trabalhou aqui temas a aspectos europeus que pouco ou nada tinham a ver de fato com a sociedade brasileira, no conjunto imprimiu a marca da nacionalidade e da peculiaridade local à nossa literatura.
É o Romantismo o responsável por uma “organização da inteligência brasileira", que deu certa organicidade à produção cultural, criando um público leitor (ainda que pequeno nas condições dadas) e impregnando a sensibilidade média da expectativa de ler o escritor brasileiro. Este passou a falar da nossa sociedade, fosse do presente, do passado colonial ou lendário, do litoral e do sertão, das cidades e dos campos. O Romantismo desenvolveu, assim, uma linguagem própria na poesia, na prosa, no teatro, na crítica literária e na historiografia, literária ou não. Enfim, a contribuição do Romantismo é marcante o suficiente para produzir um corpus literário e artístico impossível de ser ignorado se quisermos conhecer direito a formação do país, independente dos muitos defeitos de que podemos acusá-lo. Entre estes, não se pode desprezar a imitação formal e a adoção de um ponto de vista europeu, além do descuido da linguagem artística que tanto compromete o níveis estético do conjunto do movimento.
Assim, a liberdade ideológica e artística funcionou como arma de dois gumes, facilitando a renovação e a atualização, ao mesmo tempo que permitia o funcionamento de todo o complexo cultural e artístico com "facilidades adaptatórias" e pequeno rigor. Isto, evidentemente, não dependeu de um plano ou projeto consciente, senão que decorreu das próprias condições materiais de produção cultural no nosso país. Ao fim e ao cabo, pode-se considerar pertinente e correta a avaliação de dois conceituados críticos e historiadores de nossa literatura:
"Com o subjetivismo romântico, as suas cogitações morais, a sua religiosidade, ou com a interpretação do ser individual, cultivamos a visão total da nacionalidade, da nossa paisagem física e social, da nossa sensibilidade, valores e tradições, das lutas sociais e políticas do momento. E assim, ao mesmo tempo que se faz acentuadamente nacional, pelos temas a pelo estilo, o Romantismo no Brasil, progressivamente, também se preocupa com o sentido da sua universalidade"

O Realismo

Momento histórico

"Todavia, quem pensa e sabe hoje na Europa, não é Portugal, não é Lisboa, cuido eu: é Paris, é Londres, é Berlim. Não é a nossa divertida Academia de ciências que resolve, decompõe, classifica e explica o mundo dos fatos e das idéias. É o Instituto de França, é a Academia Científica de Berlim, são as escolas de filosofia, de história, de matemática. De física, de biologia, de todas as ciências e de todas as artes, em França, Inglaterra, em Alemanha." (Antero de Quental)
No trecho transcrito, você pôde notar que, para o grande poeta português, o que importava era "resolver, decompor, classificar e explicar o mundo dos fatos e das idéias."
Em outras palavras, ele defendia o pensamento científico. Essa postura intelectual é chamada cientificismo.
A Revolução Industrial, iniciada no século XVII, entra numa nova fase, caracterizada pela utilização do aço, do petróleo e da eletricidade; ao mesmo tempo, o avanço científico leva a novas descobertas no campo da Física e da Química. O capitalismo se estrutura em moldes modernos, com o surgimento de grandes complexos industriais; por outro lado, a massa operária urbana avoluma-se, formando uma população marginalizada que não partilha os benefícios gerados pelo progresso industrial, mas, pelo contrário, é explorada e sujeita a condições subumanas de trabalho.

Características do Realismo

As características do Realismo estão intimamente ligadas ao momento histórico em que se insere esse movimento literário, refletindo, dessa forma, a postura do positivismo, do socialismo e evolucionismo, com todas as suas variantes. Assim é que o objetivismo aparece como negação do subjetivismo romântico e nos mostra o homem voltado para aquilo que está diante e fora dele, o "não-eu"; o personalismo cede terreno ao universalismo. O materialismo leva à negação do sentimentalismo e da metafísica. O nacionalismo e a volta ao passado histórico são deixados de lado; o Realismo só se preocupa com o presente, com o contemporâneo..

Romance realista

Cultivado no Brasil por Machado de Assis, é uma narrativa voltada para a análise psicológica e crítica da sociedade a partir do comportamento de determinados personagens. É interessante constatar que os cinco romances da fase realista de Machado apresentam nomes próprios em seus títulos - Brás Cubas; Quincas Borba; Dom Casmurro; Esaú e Jacó;- revelando inequívoca preocupação com o indivíduo.

Romance Naturalista

A narrativa naturalista é marcada pela vigorosa análise social a partir de grupos humanos marginalizados, em que se valoriza o coletivo; interessa notar que também os títulos dos romances naturalistas apresentam a mesma preocupação: O mulato, O cortiço, Casa de pensão, O Ateneu.
Por outro lado, o naturalismo apresenta romances experimentais: a influência de Darwin se faz sentir na máxima naturalista, que enfatiza a natureza animal do homem.

O Parnasianismo

Momento histórico

Na Segunda metade do século XIX. O contexto sócio-político europeu mudou profundamente. Lutas sociais, tentativas de revolução, novas idéias políticas, científicas... O mundo agitava-se e a literatura não podia mais, como no tempo do Romantismo, viver de idealizações, do culto do eu e da fuga à realidade. Era necessária uma arte mais objetiva, que atendesse ao desejo do momento: o de analisar, compreender, criticar e transformar a realidade. Como resposta a essa necessidade, nascem quase ao mesmo tempo três tendências anti-românticas na literatura, que se entrelaçam e se influenciam mutuamente: o Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo.

Características

Os parnasianos achavam que certos princípios românticos, como a busca de uma poesia mais acessível, da paisagem nacional, de uma língua brasileira, dos sentimentos, tudo isso teria posto a perder as verdadeiras qualidades da poesia. Em seu lugar propõem, então, uma poesia objetiva, de elevado nível vocabular, racionalista, perfeita do ponto de vista formal e voltada a temas universais.

A "arte pela arte"

Apesar de contemporâneos, o Parnasianismo difere profundamente do Realismo a do Naturalismo. Enquanto esses movimentos se propunham a analisar e compreender a realidade social e humana, o Parnasianismo se distancia da realidade e se volta para si mesmo. Defendendo o princípio da "arte pela arte", os parnasianos achavam que o objetivo maior da arte não é tratar dos problemas humanos e sociais, mas alcançar a "perfeição" em sua construção: rimas, métrica, imagens, vocabulário seleto, equilíbrio, controle das emoções, etc.

A influência clássica

A origem da palavra Parnasianismo associa-se ao Parnaso grego, segundo a lenda, um monte da Fócida, na Grécia central, consagrado a Apolo a às musas. A escolha do nome já comprova o interesse dos parnasianos pela tradição clássica. Acreditavam que, assim, estariam combatendo os exageros de emoção e fantasia do Romantismo e, ao mesmo tempo, garantindo o equilíbrio desejado, por se apoiarem nos modelos clássicos.
Contudo a presença de elementos clássicos na poesia parnasiana não ia além de algumas referências a personagens da mitologia e de um enorme esforço de equilíbrio formal. Pode--se afirmar que não passava de um verniz que revestiu artificialmente essa arte, como forma de garantir-lhe prestígio entre as camadas letradas do público consumidor brasileiro.

O Simbolismo

Os simbolistas, insatisfeitos com a onda de cientificismo e materialismo a que esteve submetida a sociedade industrial européia na Segunda metade do século passado, representam a reação da intuição contra a lógica, do subjetivismo contra a objetividade científica, do misticismo contra o materialismo, da sugestão sensorial contra a explicação racional.
Nenhuma arte é inteiramente objetiva. Ate uma fotografia, por exemplo, que se aproxima bastante da realidade, depende da seleção que o fotógrafo faz: o que fotografar, de que ângulo, a que distância, com que luz, em que momento. Essas variantes estão sujeitas às intenções do fotógrafo; são, portanto, subjetivas e podem modificar o resultado final, a foto.
Os simbolistas não acreditavam na possibilidade de a arte e a literatura poderem fazer um retrato total da realidade. Duvidavam também das explicações "positivas" da ciência, que julgava poder explicar todos os fenômenos que envolvem o homem e conduzi-to a um caminho de progresso e fartura material.
Assim, os simbolistas representam um grupo social que ficou à margem do cientificismo do século XIX e que procurou resgatar certos valores românticos varridos pelo Realismo, tais corno o espiritualismo, o desejo de transcendência e de integração com o universo, o mistério, o misticismo, a morte, a dor existencial (sem, contudo, cair na afetação sentimental romântica).
Essa reação antimaterialista situa-se num contexto mais amplo vivido pela Europa no último quarto do século XIX, a forte crise espiritual a que se tem chamado decadentismo do final do século.

A linguagem da poesia simbolista

Como movimento antimaterialista a anti-racionalista. o Simbolismo buscou uma linguagem que fosse capaz de sugerir a realidade, a não retratá-la objetivamente, como queriam os realistas. Para isso, faz uso de símbolos, imagens, metáforas, sinestesias, além de recursos sonoros e cromáticos, tudo com a finalidade de exprimir o mundo interior, intuitivo, antilógico a anti-racional.
Para charles Baudelaire, poeta francês pós-romântico e precursor do movimento simbolista, a poesia é a expressão da correspondência que a linguagem é capaz de estabelecer entre o concreto e o abstrato, o material e o ideal.

Em seu famoso poema "Correspondências", Baudelaire escreve:

Como longos ecos que de longe se confundem
Numa tenebrosa e profunda unidade,
Vasta como a noite e como a claridade,
Os perfumes, as cores e os sons se correspondem.

O Pré-Modernismo

A literatura brasileira atravessa um período de transição nas primeiras décadas do século XX . De um lado, ainda há a influência das tendências artísticas da Segunda metade do século XIX; de outro, já começa a ser preparada a grande renovação modernista, que se inicia em 1922, com a Semana de Arte Moderna.
A esse período de transição, que não chegou a constituir um movimento literário, chamou--se Pré-Modernismo.
Do ponto de vista cultural, o período foi marcado pela convivência entre várias tendências artísticas ainda não totalmente superadas e algumas novidades de linguagem e de ideologia. Esse período, que representou um cruzamento de idéias a formas literárias, é Chamado de Pré--Modernismo.

As novidades

Embora os autores pré-modernistas ainda estivessem presos aos modelos do romance realista-naturalista e da poesia simbolista, ao menos duas novidades essenciais podem ser observadas em suas obras:
O interesse pela realidade brasileira: os modelos literários realistas-naturalistas eram essencialmente universalizantes. Tanto na prosa de Machado de Assis a Aluísio Azevedo quanto na poesia dos parnasianos a simbolistas, não havia interesse em analisar a realidade brasileira. A preocupação central desses autores era abordar o homem universal, sua condição e seus anseios. Aos escritores pré-modernistas, ao contrário, interessavam assuntos do dia-a-dia dos brasileiros, originando-se assim, obras de nítido caráter social.
Graça Aranha, por exemplo, retrata em seu romance Canaã a imigração alemã no Espírito Santo; Euclides da Cunha, em O sertões, aborda o tema da guerra e do fanatismo religioso em Canudos, no sertão da Bahia; Lima Barreto detém-se na análise das populações suburbanas do Rio de Janeiro; e Monteiro Lobato descreve a miséria do caboclo na Região decadente do Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo. A exceção está na poesia de Augusto dos Anjos, que foge a esse interesse social.

A busca de uma linguagem mais simples e coloquial: embora não se verifïque essa preocupação na obra de todos os pré-modernistas, ela é explícita na prosa de Lima Barreto e representa um importante passo para a renovação modernista de 1922. Lima Barreto procurou "escrever brasileiro", com simplicidade. Para isso, teve de ignorar muitas vezes as normas gramaticais e de estilo, provocando a ira dos meios acadêmicos conservadores e parnasianos.

Vanguardas européias .

Antipassadismo cultural a liberdade de criação são as marcas principais da arte modema. Ao mesmo tempo que desejavam demolir os padrões e a ideologia realista-naturalista vigentes, os artistas modernos não queriam se prender a normas rígidas a valorizavam o ilogismo e a subjetividade.
Na Europa não houve uma arte moderna a uniforme. Houve, sim, um conjunto de tendências artísticas, muitas vezes provenientes de países diferentes, com propostas específicas, embora as aproximassem certos traços mais ou menos comuns, como o sentimento de liberdade criadora, o desejo de romper com o passado, a expressão da subjetividade e certo irracionalismo.
Paris era o grande centro cultural europeu da época, de onde as novas idéias artísticas se irradiavam para o resto do mundo ocidental. Essas tendências, que surgiram na Europa antes, durante e depois da primeira Guerra Mundial, receberam o nome de correntes de vanguarda.

O Cubismo

O movimento cubista teve início na França, em 1907, com a tela Les demoiselles d´Avignon, do pintor espanhol Pablo Picasso. A partir de então, em tomo de Picasso e do poeta francês Apollinaire formou-se um grupo de artistas que cultivaria as técnicas cubistas até o término da Primeira Guerra Mundial, em 1918.

O Futurismo

Em 1909, no jornal parisiense Le Figaro, o italiano Filippo Tommasio Marinetti publica o Manifesto Futurista, que surpreende os meios culturais europeus pelo caráter violento e radical de suas propostas.
Muito mais do que por obras, o movimento difunde-se por meio de manifestos (mais de trinta) e conferências, tendo sempre à frente a figura de seu líder, Marinetti.
Eis algumas das propostas do primeiro manifesto, de 1909.

1- Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade.
2- Os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta
3- Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto mortal, a bofetada e o soco.

O Expressionismo

No começo do século XX, tanto na França quanto na Alemanha, surgem grupos de pintores que desejam alterar o enfoque da pintura impressionista, percorrendo o caminho contrário, isto é, partindo da subjetividade para o mundo exterior. Esses pintores Há uma valorização da expressão, isto é, do modo como forma e conteúdo livremente se unem para dar vazão às sensações do artista no momento da criação. Essa liberdade da expressão assemelha-se à das "palavras em liberdade" dos futuristas.
Durante e depois da Primeira Guerra, o Expressionismo assumiu um caráter mais social e combativo, interessando-se pelos horrores da guerra, pelas condições de vida desumanas das populações carentes, etc.

O Surrealismo

O movimento surrealista tem inicio na França a partir da publicação do Manifesto do Surrealismo (1924), de André Breton. Diversos pintores aderem ao movimento, interessados nas propostas artísticas de Breton, ligadas ao subconsciente e à psicanálise (Breton tinha sido psicanalista).
Dois são os aspectos que marcam o Surrealismo em seu início: as experiências criadoras e automáticas e o imaginário extraído do sonho.
Freud, na psicanálise, a Bergson, na filosofia, já haviam destacado a importância do mundo interior do ser humano, as zonas desconhecidas ou pouco conhecidas da mente humana. Encaravam o inconsciente, o subconsciente e a intuição como fontes inesgotáveis e superiores de conhecimento do homem, pondo assim em segundo plano o pensamento sensível, racional e consciente.
O automatismo artístico consiste em extravasar diretamente os impulsos criadores do subconsciente, sem nenhum controle da razão ou do pensamento. Significa pôr na tela ou no papel os desejos interiores profundos, sem se importar com coerência, significados, adequação, etc. Na literatura, esse princípio recebeu o nome de "escrita automática".

A linguagem modernista

Pela diversidade a amplitude dos aspectos que compõem a arte a literatura modernas, é muito difícil caracterizá-las com a mesma objetividade adotada para caracterizar movimentos anteriores.
Na verdade, tanto na Europa quanto no Brasil, em vez de um movimento uniforme, o que houve no início do século foram correntes artísticas que se caracterizaram pela quebra dos valores artísticos tradicionais e pela busca de técnicas e meios de expressão capazes de traduzir a nova realidade do século XX.
No Brasil, a todas essas tendências chamou-se Modernismo, movimento que equivale ao Futurismo, para os italianos, e ao Expressionismo, para os alemães. Somente a partir da Semana de Arte Moderna, em 1922, é que o movimento de renovação, em nosso país, tomou rumos mais definidos, com propostas consistentes e conseqüentes.
Apesar disso, é possível observar algumas características básicas que marcam a literatura brasileira dos anos 20.
O poema que segue, de Manuel Bandeira, embora publicado apenas em 1930 (portanto oito anos após a Semana de Arte de Moderna), é uma espécie de plataforma teórica tardia da poesia modernista brasileira.

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um Vocábulo

Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo.
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Questionário para levantamento de dados para análise de conto

1. Análise de enredo
a) reconstituição da história - o que conta o conto?
b) começo e epílogo da narrativa - como se organiza o relato?
c) andamento da ação - qual o ritmo do narrado?

2. Análise do tempo
Quando ocorre a história? É possível medir o lapso temporal? O tempo é cronológico ou é psicológico? Há algum uso especial do tempo psicológico?
Fazer citações do texto para exemplificação do que se está afirmando.

3. Análise do espaço
Onde ocorre o relato? Que lugares são privilegiados? São ambientações externas ou internas? Há preocupação com a paisagem?
Fazer citações do texto para exemplificação do que se está afirmando.

4. Análise dos personagens
Quantos são os personagens? Há personagens secundários? O narrador os descreve? Como são os personagens? Qual (ou quais) personagem(ns) se destaca(m)? Existe análise psicológica?
Fazer citações do texto para exemplificação do que se está afirmando.

5. Análise do foco narrativo
Quem conta a história? Existe onisciência narrativa? Existe intromissão do narrador (troca de informações com o leitor; narrador se dirigindo diretamente ao leitor)? Isso é importante?
Fazer citações do texto para exemplificação do que se está afirmando.

6. Análise da linguagem
O que predomina no conto: diálogo (ou discurso) direto ou indireto? Há cenas de discurso indireto livre? Existe descrição? Como é a narração (abstraindo-se dos diálogos, é claro). Como é a adjeti-vação, no relato?
Fazer citações do texto para exemplificação daquilo que se está afirmando.

7. Comentário final
Essa parte deve conter as impressões pessoais de quem analisa: levantamento temático do relato; tipo de mensagem que se transmitiu; tipo de critica social que se teceu etc.

Antologia de poesia
A UMAS SAUDADES (257)

Parti, coração, parti,
navegai sem vos deter,
ide-vos, minhas saudades
a meu amor socorrer.

Em o mar do meu tormento
em que padecer me vejo
já que amante me desejo
navegue o meu pensamento:
meus suspiros, formai vento,
com que me façais ir ter
onde me apeteço ver;
e diga minha alma assi:
Parti, coração, parti,
navegai sem vos deter.

Ide donde meu amor
apesar desta distância
não há perdido constância
nem demitido o rigor:
antes é tão superior
que a si se quer exceder,
e se não desfalecer
em tantas adversidades,
Ide-vos minhas saudades
a meu amor socorrer.

(Gregório de Mattos)

AS COUSAS DO MUNDO (42)

Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa,
Mais isento se mostra o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazo a tripa
E mais não igo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.

(Gregório de Mattos)

XIV

Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondência,
Ou desconhece o rosto da violência,
Ou do retiro a paz não tem provado.

Que bem é ver nos campos transladado
No gênio do pastor, o da inocência!
E que mal é no trato, e na aparência
Ver sempre o cortesão dissimulado!

Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um só trata a mentira, outro a verdade.

Ali não há fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, é variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!

(Cláudio Manoel da Costa)

XCVIII

Destes penhascos fez a natureza
O berço, em que nasci! oh quem cuidara,
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!

Amor, que vence os tigre por empresa
Tomou logo render-me; ele declara
Contra o meu coração guerra tão rara,
Que não me foi bastante a fortaleza.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,
A que dava ocasião minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engano:

Vós, que ostentais a condição mais dura,
Temei, penhas, temei; que Amor tirano,
Onde há mais resistência, mais se apura.

(Cláudio M. da Costa)

BOA-NOITE

BOA-NOITE, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa-noite, Maria! é tarde...é tarde...
não me apertes assim contra teu seio.

Boa-noite!...E tu dizes - Boa-noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito,
-Mar de amor onde vagam meus desejos.

Julieta do céu! Ouve... a calhandra
Já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?...pois foi mentira...
..Quem cantou foi teu hálito, divina!

Se a estrela-d'alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."

É noite ainda! Brilha na cambraia
-Desmanchando o roupão, a espádua nua-
O globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua...

É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores,
Fechemos sobre nós estas cortinas...
-São as asas do arcanjo dos amores.

A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh!Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.

Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!

Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion! 'e noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!...

Como um negro e sombrio firmamento ,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
-Boa-noite! -, formosa Consuelo!...

(Castro Alves)
S. Paulo, 27 de agosto de 1868.

NAVIO NEGREIRO (FRAGMENTO)

Era um sonho dantesco!...o tombadilho,
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros...estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantática a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos...o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra.
E após fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual num sonho dantesco as sombras voam!
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...

(Castro Alves)

IV
A LAGARTIXA

A lagartixa ao sol ardente vive
E fazendo verão o corpo espicha:
O clarão de teus olhos me dá vida,
Tu és o sol e eu sou a lagartixa.

Amo-te como o vinho e como o sono,
Tu és meu copo e amoroso leito...
Mas teu néctar de amor jamais se esgota,
Travesseiro não há como teu peito.

Posso agora viver: para coroas
Não preciso no prado colher flores,
Engrinaldo melhor a minha fronte
Nas rosas mais gentis de teus amores.

Vale todo um harém a minha bela,
Em fazer-me ditoso ela capricha...
Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Como ao sol de verão a lagartixa.

(Álvares de Azevedo)

NAMORO A CAVALO

Eu moro em Catumbi: mas a desgraça,
Que rege minha vida maldada,
Pôs lá no fim da rua do Catete
A minha Dulcinéia namorada.

Alugo (três mil réis) por uma tarde
Um cavalo de trote (que esparrela!)
Só para erguer meus olhos suspirando
A minha namorada na janela...

Todo o meu ordenado vai-se em flores
E em lindas folhas de papel bordado...
Onde eu escrevo trêmulo, amoroso,
Algum verso bonito... mas furtado.

Morro pela menina, junto dela
Nem ouso suspirar de acanhamento...
Se ela quisesse eu acabava a história
Como toda a comédia — em casamento...

Ontem tinha chovido... Que desgraça!
Eu ia a trote inglês ardendo em chama,
Mas lá vai senão quando... uma carroça
Minhas roupas tafuis encheu de lama...

Eu não desanimei. Se Dom Quixote
No Rocinante erguendo a larga espada
Nunca voltou de medo, eu, mais valente,
Fui mesmo sujo ver a namorada...

Mas eis que no passar pelo sobrado,
Onde habita nas lojas minha bela,
Por ver-me tão lodoso ela irritada
Bateu-me sobre as ventas a janela...

O cavalo ignorante de namoro,
Entre dentes tomou a bofetada,
Arrepia-se, pula e dá-me um tombo
Com pernas para o ar, sobre a calçada...

Dei ao diabo os namoros. Escovado
Meu chapéu que sofrera no pagode...
Dei de pernas corrido e cabisbaixo
E berrando de raiva como um bode.

Circunstância agravante. A calça inglesa
Rasgou-se no cair de meio a meio,
O sangue pelas ventas me corria
Em paga do amoroso devaneio!...

(Álvares de Azevedo)

LEMBRANÇA DE MORRER

No more! O never more!
Shelley

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto o poento caminheiro...
Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro...

Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia,
Só levo uma saudade — é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade — e dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
E de ti, ó minha mãe! pobre coitada
Que por minhas tristezas te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,
Poucos, — bem poucos! e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei!... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Ó tu, que à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Se vivi... foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu! eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz! e escrevam nela:
— Foi poeta, sonhou e amou na vida. —

Sombras do vale, noites da montanha,
Que minh’alma cantou e amava tanto,
Protejei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe um canto!

Mas quando preludia ave d’aurora
E quando, à meia-noite, o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri as ramas...
Deixai a lua pratear-me a lousa!

(Álvares de Azevedo)

SE SE MORRE DE AMOR!

Meere und Berge und Horizonte zwischen den Liebenden - aber die Seelen versetzen sích aus dem staubigen Kerker und treffen sich im Paradiese der Liebe. Schiller, Die Rüuber
Tradução:
“...Mares, montanhas e horizontes separam os amantes, mas as almas escapam das masmorras poeirentas e vão se encontrar no paraíso do amor...”

Se se morre de amor! — Não, não se morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n'alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente
No que ouve, e no que vê prazer alcança!

Simpáticas feições, cintura breve,
Graciosa postura, porte airoso,
Uma fita, uma flor entre os cabelos,
Um quê mal definido, acaso podem
Num engano d'amor arrebatar-nos.
Mas isso amor não é; isso é delírio,
Devaneio, ilusão, que se esvaece
Ao som final da orquestra, ao derradeiro

Clarão, que as luzes no morrer despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,
D'amor igual ninguém sucumbe à perda.
Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração — abertos
Ao grande, ao belo; é ser capaz d'extremos,
D'altas virtudes, té capaz de crimes!
Compreender o infinito, a imensidade,
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
D'aves, flores, murmúrios solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
E ter o coração em riso e festa;
E à branda festa, ao riso da nossa alma
Fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O ditoso, o misérrimo dos entes;
Isso é amor, e desse amor se morre!

Amar, e não saber, não ter coragem
Para dizer que amor que em nós sentimos;
Temer qu'olhos profanos nos devassem
O templo, onde a melhor porção da vida
Se concentra; onde avaros recatamos
Essa fonte de amor, esses tesouros
Inesgotáveis, d'ilusões floridas;
Sentir, sem que se veja, a quem se adora,
Compreender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,
Segui-la, sem poder fitar seus olhos,
Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seus vestidos,
Arder por afogá-la em mil abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!

Se tal paixão porém enfim transborda,
Se tem na terra o galardão devido
Em recíproco afeto; e unidas, uma,
Dois seres, duas vidas se procuram,
Entendem-se, confundem-se e penetram
Juntas — em puro céu d'êxtases puros:
Se logo a mão do fado as torna estranhas,
Se os duplica e separa, quando unidos
A mesma vida circulava em ambos;

Que será do que fica, e do que longe
Serve às borrascas de ludíbrio e escárnio?
Pode o raio num píncaro caindo,
Torná-lo dois, e o mar correr entre ambos;
Pode rachar o tronco levantado
E dois cimos depois verem-se erguidos,
Sinais mostrando da aliança antiga;
Dois corações porém, que juntos batem,
Que juntos vivem, — se os separam, morrem;
Ou se entre o próprio estrago inda vegetam,
Se aparência de vida, em mal, conservam,
Ânsias cruas resumem do proscrito,
Que busca achar no berço a sepultura!

Esse, que sobrevive à própria ruína,
Ao seu viver do coração, — às gratas
Ilusões, quando em leito solitário,
Entre as sombras da noite, em larga insônia,
Devaneando, a futurar venturas,
Mostra-se e brinca a apetecida imagem;
Esse, que à dor tamanha não sucumbe,
Inveja a quem na sepultura encontra
Dos males seus o desejado termo!

(Gonçalves Dias)

VIA LÁCTEA - SONETO XIII

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" Eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A vida láctea, como um pálido aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procura pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

(Olavo Bilac)

PULCHRA UT LUNA

II

Celeste... É assim, divina, que te chamas.
Belo nome tu tens, Dona Celeste...
Que outro terias entre humanas damas,
Tu que embora na terra do céu vieste?

Celeste... E como tu és do céu não amas:
Forma imortal que o espírito reveste
De luz, não temes sol, não temes chamas,
Porque és sol, porque és luar, sendo celeste.

Incoercível como a melancolia,
Andas em tudo: o sol no poente vasto
Pede-te a mágoa do findar do dia.

E a lua, em meio à noite constelada,
Pede-te o luar indefinido e casto
Da tua palidez de hóstia sagrada.

(Alphonsus de Guimarães)

ANTÍFONA

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras...

Formas do Amor, constelarmente puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas...

Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...

Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...

Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, sodas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.

Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rime clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.

Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passe
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...

Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos,
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...

Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios.....

Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...

(Cruz e Sousa)

VIOLÕES QUE CHORAM...

Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
Soluços ao luar, choros ao vento...
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
Bocas murmurejantes de lamento.

Noites de além, remotas, que eu recordo,
Noites da solidão, noites remotas
Que nos azuis da Fantasia bordo,
Vou constelando de visões ignotas.

Sutis palpitações a luz da lua,
Anseio dos momentos mais saudosos,
Quando lá choram na deserta rua
As cordas vivas dos violões chorosos.

Quando os sons dos violões vão soluçando,
Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão dilacerando e deliciando,
Rasgando as almas que nas sombras tremem.

Harmonias que pungem, que laceram,
Dedos Nervosos e ágeis que percorrem
Cordas e um mundo de dolências geram,
Gemidos, prantos, que no espaço morrem...

E sons soturnos, suspiradas magoas,
Mágoas amargas e melancolias,
No sussurro monótono das águas,
Noturnamente, entre ramagens frias.

Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.

Tudo nas cordas dos violões ecoa
E vibra e se contorce no ar, convulso...
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febril agitação de um pulso.

Que esses violões nevoentos e tristonhos
São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para onde vão, fatigadas do sonho
Almas que se abismaram no mistério.

Sons perdidos, nostálgicos, secretos,
Finas, diluídas, vaporosas brumas,
Longo desolamento dos inquietos
Navios a vagar a flor de espumas.

Oh! languidez, languidez infinita,
Nebulosas de sons e de queixumes,
Vibrado coração de ânsia esquisita
E de gritos felinos de ciúmes!

Que encantos acres nos vadios rotos
Quando em toscos violões, por lentas horas,
Vibram, com a graça virgem dos garotos,
Um concerto de lágrimas sonoras!

Quando uma voz, em trêmolos, incerta,
Palpitando no espaço, ondula, ondeia,
E o canto sobe para a flor deserta
Soturna e singular da lua cheia.

Quando as estrelas mágicas florescem,
E no silêncio astral da Imensidade
Por lagos encantados adormecem
As pálidas ninféias da Saudade!

Como me embala toda essa pungência,
Essas lacerações como me embalam,
Como abrem asas brancas de clemência
As harmonias dos Violões que falam!

Que graça ideal, amargamente triste,
Nos lânguidos bordões plangendo passa...
Quanta melancolia de anjo existe
Nas visões melodiosas dessa graça.

Que céu, que inferno, que profundo inferno,
Que ouros, que azuis, que lágrimas, que risos,
Quanto magoado sentimento eterno
Nesses ritmos trêmulos e indecisos...

Que anelos sexuais de monjas belas
Nas ciliciadas carnes tentadoras,
Vagando no recôndito das celas,
Por entre as ânsias dilaceradoras...

Quanta plebéia castidade obscura
Vegetando e morrendo sobre a lama,
Proliferando sobre a lama impura,
Como em perpétuos turbilhões de chama.

Que procissão sinistra de caveiras,
De espectros, pelas sombras mortas, mudas.
Que montanhas de dor, que cordilheiras
De agonias aspérrimas e agudas.

Véus neblinosos, longos véus de viúvas
Enclausuradas nos ferais desterros
Errando aos sóis, aos vendavais e às chuvas,
Sob abóbadas lúgubres de enterros;

Velhinhas quedas e velhinhos quedos
Cegas, cegos, velhinhas e velhinhos
Sepulcros vivos de senis segredos,
Eternamente a caminhar sozinhos;

E na expressão de quem se vai sorrindo,
Com as mãos bem juntas e com os pés bem juntos
E um lenço preto o queixo comprimindo,
Passam todos os lívidos defuntos...

E como que há histéricos espasmos
Na mão que esses violões agita, largos...
E o som sombrio é feito de sarcasmos
E de Sonambulismos e letargos.

Fantasmas de galés de anos profundos
Na prisão celular atormentados,
Sentindo nos violões os velhos mundos
Da lembrança fiel de áureos passados;

Meigos perfis de tísicos dolentes
Que eu vi dentre os vilões errar gemendo,
Prostituídos de outrora, nas serpentes
Dos vícios infernais desfalecendo;

Tipos intonsos, esgrouviados, tortos,
Das luas tardas sob o beijo níveo,
Para os enterros dos seus sonhos mortos
Nas queixas dos violões buscando alivio;

Corpos frágeis, quebrados, doloridos,
Frouxos, dormentes, adormidos, langues
Na degenerescência dos vencidos
De toda a geração, todos os sangues;

Marinheiros que o mar tornou mais fortes,
Como que feitos de um poder extremo
Para vencer a convulsão das mortes,
Dos temporais o temporal supremo;

Veteranos de todas as campanhas,
Enrugados por fundas cicatrizes,
Procuram nos violões horas estranhas,
Vagos aromas, cândidos, felizes.

Ébrios antigos, vagabundos velhos,
Torvos despojos da miséria humana,
Têm nos violões secretos Evangelhos,
Toda a Bíblia fatal da dor insana.

Enxovalhados, tábidos palhaços
De carapuças, máscaras e gestos
Lentos e lassos, lúbricos, devassos,
Lembrando a florescência dos incestos;

Todas as ironias suspirantes
Que ondulam no ridículo das vidas,
Caricaturas tétricas e errantes
Dos malditos, dos réus, dos suicidas;

Toda essa labiríntica nevrose
Das virgens nos românticos enleios;
Os ocasos do Amor, toda a clorose
Que ocultamente lhes lacera os seios;

Toda a mórbida música plebéia
De requebros de faunos e ondas lascivas;
A langue, mole e morna melopéia
Das valsas alanceadas, convulsivas;

Tudo isso, num grotesco desconforme,
Em ais de dor, em contorsões de açoites,
Revive nos violões, acorda e dorme
Através do luar das meias noites!

(Cruz e Sousa - jan. I897)

MÚSICA DA MORTE...

A musica da Morte, a nebulosa,
Estranha, imensa musica sombria,
Passa a tremer pela minh’alma e fria
Gela, fica a tremer, maravilhosa...

Onda nervosa e atroz, onda nervosa,
Letes sinistro e torvo da agonia,
Recresce a lancinante sinfonia,
Sobe, numa volúpia dolorosa...

Sobe, recresce, tumultuando e amarga,
Tremenda, absurda, imponderada e larga,
De pavores e trevas alucina...

E alucinando e em trevas delirando,
Como um Ópio letal, vertiginando,
Os meus nervos, letárgica, fascina...

(Cruz e Sousa

O MORCEGO

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica dasede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede...”
-- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

(Augusto dos Anjos)

PSICOLOGIA DE UM VENCIDO

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Produndissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme -- este operário das ruínas --
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

(Augusto dos Anjos)

AUSÊNCIA

"... Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada,
aconchegada nos meus braços, que rio
e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim."

(Carlos Drummond de Andrade)

OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

(Carlos Drummond de Andrade)

CANTO ESPONJOSO

Bela
esta manhã sem carência de mito,
e mel sorvido sem blasfêmia.

Bela
esta manhã ou outra possível,
esta vida ou outra invenção
sem, na sombra, fantasmas.

Umidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes de luz
azul
completa
sobre formas constituídas.

Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.

Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.

(Carlos Drummond de Andrade)

BALADA DO ESPLANADA

Ontem à noite
Eu procurei
Ver se aprendia
Como é que se fazia
Uma balada
Antes de ir
Pro meu hotel.
É que este
Coração
Já se cansou
De viver só
E quer então
Morar contigo
No Esplanada.

Eu queria
Poder
Encher
Este papel
De versos lindos

É tão distinto
Ser menestrel
No futuro
As gerações
As gerações
Que passariam
Diriam
É o hotel
É o hotel
Do menestrel

Pra me inspirar
Abro a janela
Compro um jornal
Vou fazer
A balada
Do Esplanada
ou Grand-Hotel
Há poesia
Na dor
Na flor
No beija-flor
No elevador.

(Oswald de Andrade)