Apostila de literatura 2 e 3 séries
Literatura
Professor: RENATO
1º bimestre 2006
Aluno ___________________________________________N.º______
1997
Texto 1
A CARREGADORA DE PEDRAS
Desde que conquistou o direito à jornada dupla de trabalho, a chamada mulher moderna ainda parece estar longe de conseguir desfazer o mal-entendido que provocou ao brigar pela igualdade profissional com os homens. Não era bem isso: mas no afã de se libertar de outras opressões, ela acabou partindo para o mercado de trabalho como se ele fosse a 5solução de todos os problemas - financeiros, conjugais, maternais e muitos outros ais. E pagou o preço da precipitação, claro. Agora não adianta chorar sobre o leite derramado - até porque a maior parte das vezes continua sendo ela que vai limpar, ah, ah. Mas, falando sério, todas sabemos que há muito a fazer para promover alguns ajustes e atualizações nessa relação de direitos e deveres de homens e mulheres. Como falar sobre isso ajuda, vamos lá.
10 Em primeiro lugar, a questão do tempo livre. Que não existe, de fato. Aquele ditado que enquanto se descansa carrega pedras foi feito para ela. Trabalhe fora ou dentro de casa, a mulher dificilmente se livra da carga das tarefas domésticas -mesmo que não se envolva pessoalmente. Costuma ser dela a responsabilidade pela arregimentação de empregadas, faxineiras, babás, jardineiros, lavadeiras, passadeiras, prestadores de serviços 15em geral, sem falar no abastecimento da casa. Quando dá tudo certo, ainda vai. Só que se alguma coisa der errado, a cobrança da família será terrível. No vasto histórico da luta feminina, muitas mulheres conseguiram autorização de seus maridos para trabalhar fora com a condição de que, antes de tudo, garantissem que os afazeres domésticos seriam cumpridos sem alteração.
20Apesar de triste, o pacto legitimou, com um preço altíssimo, um sem número de vitórias pessoais. Aquelas – raras - que por acaso tenham se livrado da dupla jornada costumam permanecer, por sua vez, exercendo no doce organograma do lar as funções de mãe-supervisora nas folgas, feriados e fins de semana. Depois, com o desaparecimento gradual da parceria patroa/empregada doméstica, homens e mulheres terão, mais cedo do que 25se pensa, que lidar com a administração do caos doméstico. Sem privilégios. E a primeira providência para esse futuro cor-de-rosa começa com a educação progressista dos filhos, os novos maridos e esposas que, tal qual os personagens do desenho animado Os Jetsons, contarão com uma boa ajuda de um arsenal de maravilhas eletrônicas - entre elas, uma empregada-robô. Que não enguiça. Porque, se enguiçar, já sabem quem vai mandar consertar. 30Ou não?
(Sônia Biondo - JB 12/10/96)
Questão 1
a) Apesar de apresentar o texto em terceira pessoa, em um momento a jornalista se inclui especificamente entre as mulheres modernas que lhe servem de tema.
Transcreva do primeiro parágrafo do texto o segmento que mostra essa inclusão.
b) A ironia é definida como "Modo de exprimir-se que consiste em dizer o contrário daquilo que se está pensando ou sentindo..."; transcreva do segundo parágrafo do texto a expressão que é considerada ironia segundo a definição dada.
Questão 2
Patroa/empregada (l.24) e empregada-robô (l.29) têm na grafia sinais (barra, hífen) de significados distintos.
Quais são esses significados, considerando-se as ocorrências destacadas?
Texto 2
O QUINZE (fragmento)
Sentada na espreguiçadeira da sala, Conceição lia, com os olhos escuros intensamente absorvidos na brochura de capa berrante. Na paz daquela manhã de domingo, um silêncio doce tudo envolvia, e algum ruído que soava, logo era abafado na calma sonolenta.
Maciamente, num passo resvalado de sombra, Dona Inácia entrou, de volta da igreja, com seu 5rosário de grandes contas pretas pendurado no braço.
Conceição só a viu quando o ferrolho rangeu, abrindo:
- Já de volta, Mãe Nácia?
- E você sem largar esse livro! Até em hora de missa!
A moça fechou o livro rindo:
10- Lá vem a Mãe Nácia com briga! Não é domingo? Estou descansando.
Dona Inácia tomou o volume das mãos da neta e olhou o título:
- E esses livros prestam para moça ler, Conceição? No meu tempo, moça só lia romance que o padre mandava...
Conceição riu de novo:
15- Isso não é romance, Mãe Nácia. Você não está vendo? É um livro sério, de estudo...
- De que trata? Você sabe que eu não entendo francês...
Conceição, ante aquela ouvinte inesperada, tentou fazer uma síntese do tema da obra, procurando ingenuamente encaminhar a avó para suas tais idéias:
- Trata da questão feminina, da situação da mulher na sociedade, dos direitos maternais, do 20problema...
Dona Inácia juntou as mãos, aflita:
- E minha filha, para que uma moça precisa saber, disso? Você quererá ser doutora, dar para escrever livros?
Novamente o riso da moça soou:
25- Qual o quê, Mãe Nácia! Leio para aprender, para me documentar...
- E só para isso, você vive queimando os olhos, emagrecendo... Lendo essas tolices..
- Mãe Nácia, quando a gente renuncia a certas obrigações, casa, filhos, família, tem que arranjar outras coisas com que se preocupe... Senão a vida fica vazia demais...
- E para que você torceu sua natureza? Por que não se casa?
30Conceição olhou a avó de revés, maliciosa:
- Nunca achei quem valesse a pena...
(QUEIRÓS, Rachel de, O quinze, Rio de Janeiro: José Olympio, 20a ed. 1976, p. 91
Questão 3
Os personagens presentes nesse fragmento do romance O Quinze opõem-se, entre outros aspectos, pela visão que possuem sobre a função da leitura.
Explique essa oposição com suas próprias palavras.
Questão 4
"Lá vem a Mãe Nácia com briga! Não é domingo? Estou descansando." (l.10)
Reescreva as orações sublinhadas, unindo-as em um só período por meio de uma palavra de ligação, mantendo o sentido original do texto.
Questão 5
Os dois primeiros parágrafos da narrativa (texto 2) são representativos de um modo de organização discursiva: o descritivo.
a) Indique duas características da descrição presentes nesse segmento do texto.
b) Exemplifique as características dadas com elementos do texto.
Questão 6
A personagem Conceição mostra certa contradição entre sua posição progressista em relação ao papel da mulher na sociedade e os valores tradicionalmente atribuídos a ela.
Destaque duas palavras da fala de Conceição que revelam essa contradição.
Texto 3
DIVINA
Eu não busco saber o inevitável
das espirais da tua vã matéria.
Não quero cogitar da paz funérea
que envolve todo o ser inconsolável.
Bem sei que no teu círculo maleável
de vida transitória e mágoa séria
há manchas dessa orgânica miséria
do mundo contingente, imponderável.
Mas o que eu amo no teu ser obscuro
é o evangélico mistério puro
do sacrifício que te torna heroína.
São certos raios da tu’alma ansiosa
é certa luz misericordiosa,
é certa auréola que te faz divina!
CRUZ E SOUSA. Poesias completas, Governo do Estado de Santa Catarina/ Fundação Catarinense de Cultura, 1981, p.89
Questão 7
De acordo com a concepção simbolista, o corpo representa um obstáculo ao verdadeiro desenvolvimento do homem.
a) Transcreva do texto 3 o verso que melhor condensa tal marca de estilo.
b) Explique a relação entre esse verso e a quarta estrofe do poema em termos semânticos.
Texto 4
A MULHER E A CASA
Tua sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.
Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,
uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.
Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra:
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;
pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;
pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,
os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,
exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.
MELO NETO, João Cabral de. Poesias completas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979, p.153
Questão 8
No texto 4, o poeta fala da sedução da mulher e da sedução da casa.
Para o eu-lírico, em que o segundo tipo de sedução é superior ao primeiro?
Questão 9
A geração de 45 marca certa volta à valorização formal do poema em termos tradicionais.
Indique duas características do poema de João Cabral que justificam essa afirmativa.
Questão 10
A mulher, tema dessa prova, é motivo dos poemas 3 e 4.
Explique a principal diferença na apreensão da figura feminina nesses dois textos.
TEXTO 1
Terror de te amar num sítio tão frágil quanto o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa
(Sophia de Mello B.Andresen)
1 Que semelhanças e diferenças temáticas e estruturais podem ser notadas entre este fragmento e o poema 005 de Camões?
TEXTO 2
Jacó encontra-se com Raquel
"Depois disse Labão a Jacó: Acaso, por seres meu parente, irás servir-me de graça? Dize-me, qual será o teu salário? Ora, Labão tinha duas filhas: Lia, a mais velha, e Raquel, a mais moça. Lia tinha olhos baços, porém Raquel era formosa de porte e de semblante. Jacó amava a Raquel, e disse: Sete anos te servirei por tua filha mais moça, Raquel. Respondeu Labão: Melhor é que eu ta dê, em vez de dá-la a outro homem; fica, pois, comigo.
Assim, por amor a Raquel, serviu Jacó sete anos; e estes lhe pareceram como poucos dias, pelo muito que a amava. Disse Jacó a Labão: Dá-me minha mulher, pois já venceu o prazo, para que me case com ela. Reuniu, pois, Labão todos os homens do lugar, e deu um banquete. À noite, conduziu a Lia, sua filha, e a entregou a Jacó. E coabitaram. (...) Ao amanhecer, viu que era Lia, por isso disse Jacó a Labão: Que é isso que me fizeste? Não te servi por amor a Raquel? Por que, pois, me enganaste? Respondeu Labão: Não se faz assim em nossa terra, dar-se a mais nova antes da primogênita. Decorrida a semana desta, dar-to-emos também a outra, pelo trabalho de mais sete anos que ainda me servirás. Concordou Jacó, e se passou a semana desta; então Labão lhe deu por mulher Raquel, sua filha. (...) E coabitaram. Mas Jacó amava mais a Raquel do que a Lia; e continuou servindo a Labão por outros sete anos."
(Bíblia Sagrada. Gênesis, 29,15-30.)
TEXTO 3
Soneto 88
"Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
Que a ela só por prêmio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi[m] negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida!"
(Luís de Camões)
O racionalismo é uma das características mais freqüentes da literatura clássica portuguesa. A logicidade do pensamento quinhentista repercutiu no rigor formal de seus escritores, e no culto à expressão das "verdades eternas", sem que isto implicasse tolhimento da liberdade imaginativa e poética. Com base nestas observações, releia os dois textos apresentados e:
2) aponte um procedimento literário de Camões que comprove o rigor formal do classicismo;
3) indique o dado da passagem bíblica que, por ter sido omitido por Camões, revela a prática da liberdade poética e confere maior carga sentimental ao seu modo de focalizar o mesmo episódio.
Um dos mais famosos sonetos de Camões assim se inicia:
"Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada".
4 Você diria que no quarteto apresentado podemos perceber a visão platônica que Camões tem do Amor? Por quë?
5 Na Lírica de Camões:
a) o metro usado para a composição dos sonetos é a redondilha maior.
b) encontram-se sonetos, odes, sátiras e autos.
c) cantar a pátria é o centro das preocupações.
d) encontra-se uma fonte de inspiração de muitos poetas brasileiros do século XX.
e) a Mulher é vista em seus aspectos físicos, despojada de espiritualidade.
TEXTO4
"Converte-se-me a carne em terra dura;
Em penedos os ossos se fizeram;
Estes membros que vês a esta figura
Por estas longas águas se estenderam,
Enfim, minha grandíssima estatura
Neste remoto cabo converteram
Os deuses; e, por mais dobradas mágoas,
Me anda Tétis cercando destas águas."
6 A figura da retórica que compõe o texto é:
a) metáfora: "consiste na transferência do nome de um elemento para outro, em vista de uma relação de semelhança entre ambos".
b) prosopopéia: "atribui vida, ou qualidades humanas, a seres inanimados, irracionais, espécie de animismo".
c) paronomásia: vocábulos semelhantes na forma, mas opostos ou aparentados no sentido.
d) metonímia: emprego de um vocábulo por outro, com o qual estabelece uma constante e lógica relação de contigüidade.
e) sinédoque: designa-se o mais restrito pelo mais extenso, ou seja, a espécie pelo gênero, a parte pelo todo.
TEXTO 5
"Tanto de meu estado me acho incerto,
que em vivo ardor tremendo estou de frio;
sem causa, juntamente choro e rio,
o mundo todo abarco e nada aperto.
É tudo quanto sinto, um desconcerto;
da alma um fogo me sai, da vista um rio;
agora espero, agora desconfio,
agora desvario, agora acerto.
Estando em terra, chego ao céu voando,
num' hora acho mil anos, e é de jeito
que em mil anos não posso achar um' hora.
Se me pergunta alguém por que assi ando,
respondo que não sei; porém suspeito
que só porque vos vi, minha Senhora."
7 O soneto acima transcrito é de Luís de Camões. Nele se acha uma característica da poesia clássica renascentista. Assinale essa característica, em uma das alternativas.
a) A suspeita de amor que o poeta declara na conclusão.
b) O jogo de contradições e perplexidades que atormentam o poeta.
c) O fato de todos perguntarem ao poeta por que assim anda.
d) O fato de o poeta não saber responder a quem o interroga.
e) A utilização de um soneto para relato das suas amarguras.
8 Sobre a lírica camoniana, é incorreto afirmar que:
a) boa parte de sua realização se encontra na poesia de inspiração c1ássica.
b) sua temática é variada, encontrando-se desde temas abstratos até tradicionais.
c) no aspecto formal, é toda construída em versos decassílabos em oitava rima.
d) sonda o sombrio mundo do "eu", da mulher, da Pátria e de Deus.
e) muitas vezes, o poeta procura conceituar o Amor, lançando mão de antíteses e paradoxos.
TEXTO 6
"No mar, tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida;
Na terra, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?"
9 Nessa estrofe, o Eu poético:
a) exalta a coragem dos homens que enfrentam os perigos do mar e da terra.
b) considera quanto o homem deve confiar na providência divina que o ampara nos riscos e adversidades.
c) lamenta a condição humana ante os perigos, sofrimentos e incertezas da vida.
d) propõe uma explicação a respeito do destino do homem.
e) classifica o homem como um bicho da terra, dada a sua agressividade.
10 Qual a relação estabelecida pelo Eu poético entre o homem e o Céu?
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1 Leia o texto abaixo.
................... é um tema dominante na poesia ................... de cunho romântico no Brasil; nela, a mulher é freqüentemente ................... sob o olhar apaixonado do poeta, que usa ................... como termo de comparação capaz de expressar a intensidade dos seus sentimentos.
Assinale a alternativa que preenche adequadamente as lacunas desse texto.
a) amor — nacionalista — homenageada — a religião
b) A pátria — sentimental — martirizada — o mito
c) amor — intimista — idealizada — a natureza
d) A infância — histórica — divinizada — a Idade Média
e) A morte — nacionalista — humilhada — a música
2 Leia as afirmações abaixo.
“O realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta aos nossos olhos para condenar o que há de mau na sociedade.” (Eça de Queirós)
“… porque a nova poética (…) só chegará à perfeição no dia em que nos disser o número exato dos fios que compõem um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha.” (Machado de Assis)
Assinale a alternativa INCORRETA em relação às afirmações de Eça de Queirós e de Machado de Assis.
a) Machado de Assis expressa uma visão irônica quanto aos propósitos do realismo assumidos por Eça de Queirós.
b) Há em Machado de Assis uma identificação com as idéias do autor português sobre o poder da arte realista.
c) Ao questionar a perfeição da “nova poética”, Machado de Assis põe em dúvida o ideal queirosiano de realizar uma anatomia do caráter.
d) Eça de Queirós deixa entrever um grande entusiasmo pelo papel a ser desempenhado pela arte realista.
e) A visão do escritor brasileiro deixa clara sua convicção quanto à impossibilidade de se representar totalmente a realidade.
3
Tristeza
Por favor, vai embora
(…)
Já é demais o meu penar
Quero voltar àquela vida de alegria
Quero de novo cantar.
Nos conhecidos versos da canção popular, o eu lírico situa-se em oposição a uma das características do Romantismo:
a) ênfase no aproveitamento poético da paisagem local.
b) não-conformismo aos valores estabelecidos.
c) gosto pela melancolia e pelo sofrimento.
d) evasão do poeta num passado histórico.
e) culto à razão, em detrimento das emoções.
Leia o texto abaixo para responder às questões 4 e 5
Meus oito anos
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
( Casimiro de Abreu )
Nasci no campo, e ao desprender-me das faixas infantis, ao saltar do berço, vi quase ao mesmo tempo o céu e o mar, os campos e as matas. Não foi na cidade, onde se morre abafado, não; foi ao ar livre, e, infante ainda, senti a brisa da praia brincar com meus cabelos e o vento da montanha trazer-me de longe o perfume das florestas.
Que deliciosa vida aquela! Como eu corria por aqueles prados! Que colheita que fazia de flores! Que destemido caçador de borboletas!
Ah! meus oito anos! Quem me dera tornar a tê-los!... Mas... nada, não queria, não; aos oito anos ia eu para a escola, e confesso francamente que a palmatória não me deixou grandes saudades.
(ABREU, Casimiro de. Obras completas. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1965. p. 203.)
4 O texto I apresenta um tema relevante no Romantismo: a infância.
A abordagem desse tema é integralmente feita de acordo com o padrão romântico na literatura brasileira? Justifique a resposta.
5 Associado ao tema da infância, o texto de Casimiro de Abreu aborda ainda outro tema significativo na literatura romântica: a relação entre o homem e a natureza .
Ao tratar desse tema, o texto segue o padrão literário romântico? Justifique a resposta.
Meus sete anos
Papai vinha de tarde
Da faina de labutar
Eu esperava na calçada
Papai era gerente
Do Banco Popular
Eu aprendia com ele
Os nomes dos negócios
Juros hipotecas
Prazo amortização
Papai era gerente
Do Banco Popular
Mas descontava cheques
No guichê do coração
( ANDRADE, Oswald de. Obras completas – VII. 5ª ed.. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. p. 162.)
6 Na literatura brasileira, a idade de oito anos é tomada como referência a uma infância harmoniosa.
No poema de Oswald de Andrade, essa referência está considerada no título e recebe um tratamento que revela um traço semelhante ao de alguns poemas de Álvares de Azevedo. Identifique esse traço, justificando sua resposta.
Devido à sua importância, o Romantismo deixou marcas que reaparecem como herança em muitos textos produzidos posteriormente na Literatura Brasileira. Este poema de Olavo Bilac apresenta algumas dessas marcas.
Sonho
Ter nascido homem outro, em outros dias,
- Não hoje, nesta agitação sem glória,
Em traficâncias e mesquinharias,
Numa apagada vida merencória
Ter nascido numa era de utopias,
Nos áureos ciclos épicos da História,
Ardendo em generosas fantasias,
Em rajadas de amor e de vitória:
Campeão e trovador da Idade Média,
Herói no galanteio e na cruzada,
Viver entre um idílio e uma tragédia;
E morrer em sorrisos e lampejos,
Por um gesto, um olhar, um sonho, um nada,
Traspassado de golpes e de beijos!
( BILAC, Olavo. Olavo Bilac: obra reunida. RJ: Nova Aguilar, 1996. p. 284.)
vocabulário: merencória) - melancólica
6 Do verso 2 ao verso 6, o poema caracteriza o TEMPO, recriando a ambiência romântica.
Justifique essa afirmação, com suas palavras, e exemplifique com adjetivos presentes nesses versos.
7 Os tercetos do poema "Sonho" definem o SUJEITO, acentuando-lhe dois aspectos que recriam, também, a atmosfera romântica.
Justifique essa afirmação, com suas palavras, e exemplifique com dois substantivos retirados do primeiro terceto do poema.
Leia o TEXTO I e responda às questões de 1 a 5.
Ano Novo, uma vida nova
Hoje estamos ingressando em 1998. Chegamos mais perto do fim do século XX e do início do terceiro milênio. Estaremos chegando mais perto de nós mesmos?
Há uma abissal distância entre o que somos e o que queremos ser Um apetite do Absoluto e a consciência aguda de nossa finitude. Olhamos para trás: a infância que resta na memória com sabor de paraíso perdido, a adolescência tecida em sonhos e utopias, os propósitos altruístas. Agora, nas atuais circunstâncias, o salário exíguo num país tão caro; os filhos, sem projeto, apegados à casa; os apetrechos eletrônicos que perenizam a criança que ainda existe em nós.
Em volta, a violência da paisagem urbana e nossa dificuldade de conectar efeitos e causas. Dentro do coração o medo de quem vive numa cidade que lhe é hostil. Como se meninos de rua fossem cogumelos espontâneos e não frutos do darwinismo econômico que segrega a maioria pobre e favorece a minoria abastada. O mesmo executivo que teme o seqüestro e brada contra os bandidos, abastece o crime ao consumir drogas.
Ano Novo, vida nova. A começar pelo réveillon. Há o jeito velho de empanturrar-se de carnes e doces, encharcando-se de bebidas alcoólicas, como se a alegria saísse do forno e a felicidade viesse engarrafada. Ou a opção de um momento de silêncio, um gesto litúrgico, uma oração, a efusão de espíritos em abraços afetuosos.
No fundo da garganta, um travo. Vontade de remar contra a corrente e, enquanto tantos celebram a pós-modernidade, pedir colo a Deus e resgatar boas coisas : uma oração em família, a leitura espiritual, a solidão entre matas, o gesto solidário que ameniza a dor de
Um enfermo. Reencontrar, o ano que se inicia, a própria humanidade. Despir-nos do lobo voraz que na arena competitiva do mercado nos faz estranhos a nós mesmos. Por que acelerar tanto, se teremos de parar no próximo sinal vermelho? Por que não escrever ao
patrocinador do programa de violência e de pornografia na TV, e comunicar nossa disposição de cancelar o consumo de seus produtos? Por que não competir mais conosco em busca de melhores índices de virtudes e de valores morais, em vez de competir com o próximo?
Ano novo de eleições. Olhemos a cidade. As obras que beneficiam certas empresas trazem proveito à maioria da população? Melhoraram o transporte público, o serviço de saúde, a rede educacional, os sacolões? Nosso bairro tem um bom sistema sanitário, as ruas são limpas, há áreas de lazer? Participamos do debate sobre o uso de verbas públicas? O político em quem votamos teve desempenho satisfatório? Prestou contas de seu mandato?
Em política, tolerância é cumplicidade com maracutaias. Voto é delegação e, na verdadeira democracia, governa o povo através de seus representantes e de mobilizações diretas junto ao poder público. Quanto mais cidadania, mais democracia.
Ano de nova qualidade de vida. De menos ansiedade e mais profundidade. Ano de comemorar 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. De celebrar dez anos, em janeiro, da ressurreição de Henfil e, em dezembro, de Chico Mendes.
Aceitar a proposta de Jesus a Nicodemos: nascer de novo. Mergulhar em nós, abrir espaço à presença do Inefável. Braços e coracões abertos também ao semelhante. Recriar-nos e reapropriar-nos da realidade circundante, livre de pasteurização que nos massifica na mediocridade bovina de quem rumina hábitos mesquinhos, como se a vida fosse uma janela da qual contemplamos, noite após noite, a realidade desfilar nos ilusórios devaneios de uma telenovela.
Feliz homem novo. Feliz mulher nova.
(Frei Beto.IN: O Globo, 01 de janeiro de 1998. p.7.)
QUESTÃO 1
Tendo em vista o contexto que envolve a frase “Olhemos a cidade”( l.28), pode-se afirmar que o uso da forma verbal destacada expressa uma
(A) ordem.
(B) reflexão.
(C) sugestão.
(D) certeza.
(E) solicitação.
QUESTÃO 2
A conjunção “ou”( l.16 ) estabelece entre as duas últimas frases uma relação semântica de
(A) exclusão.
(B) adição.
(C) explicação.
(D) oposição.
(E) conclusão.
QUESTÃO 3
Pode-se afirmar que o autor do texto “Ano Novo, uma vida nova” propõe à sociedade uma renovação
(A) política e material.
(B) social e econômica.
(C) existencial e política.
(D) pessoal e financeira.
(E) política e econômica.
QUESTÃO 4
O TEXTO I é uma dissertação argumentativa que parte da tese de que
(A) o homem busca o progresso espiritual, mas se esquece do material.
(B) a sociedade tem buscado a espiritualidade no fim do segundo milênio.
(C) a sociedade deveria procurar “nascer de novo” num plano espiritual.
(D) o homem tem buscado a renovação política com base na democracia.
(E) o homem busca a plenitude, mas está condicionado às limitações materiais.
QUESTÃO 5
Fica evidente a proposta de sermos sujeitos do nosso tempo em
(A) “Recriar-nos e reapropriar-nos da realidade circundante (...).”( l. 40-41)
(B) “Há o jeito velho de empanturrar-se de carnes e doces (...) .”( l.14-15)
(C) “Olhamos para trás: a infância que resta na memória (...).”( l. 4-5)
(D) “Em política, tolerância é cumplicidade com maracutaias.”( l. 33)
(E) “Chegamos mais perto do fim do século XX e do início do terceiro milênio.”( l. 1-2)
Leia o TEXTO II e responda às questões de 6 a 10.
FAVELÁRIO NACIONAL
12. Desfavelado
Me tiraram do meu morro
me tiraram do meu cômodo
me tiraram do meu ar
me botaram neste quarto
5 multiplicado por mil
quartos de casas iguais.
Me fizeram tudo isso
para meu bem. E meu bem
ficou lá no chão queimado
10 onde eu tinha o sentimento
de viver como queria
no lugar onde queria
não onde querem que eu viva
aporrinhado devendo
15 prestação mais prestação
da casa que não comprei
mas compraram para mim.
Me firmo, triste e chateado
Desfavelado.
15. Indagação
1 Antes que me urbanizem a régua, compasso,
computador, cogito, pergunto, reclamo:
Por que não urbanizam antes
a cidade?
5 Era tão bom que houvesse uma cidade
na cidade lá embaixo.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Corpo. Rio de Janeiro, Record, 1985.p.118-119; 120-121.
.
QUESTÃO 6
Entre as características da obra de Carlos Drummond de Andrade, aquela que pode ser detectada no TEXTO II é
(A) a nostalgia do passado.
(B) a participação sociopolítica.
(C) a reflexão sobre a poesia.
(D) o erotismo poético.
(E) a reflexão autobiográfica.
QUESTÃO 7
Embora Drummond tenha-se consagrado no cenário da literatura nacional a partir da segunda fase modernista, sua poesia apresenta vários aspectos defendidos pela geração de 22. Entre esses aspectos, pode-se identificar no TEXTO II a
(A) exaltação da pátria.
(B) releitura de estilos anteriores.
(C) livre associação de idéias.
(D) utilização do humor.
(E) incorporação do presente.
QUESTÃO 8
Tendo em vista o conteúdo do texto e o sentido do prefixo des-, o neologismo “desfavelado” significa pessoa que
(A) mora próximo à favela.
(B) é contrária à favela.
(C) nunca morou na favela.
(D) deixou de ser favelado.
(E) trabalha em prol da favela.
QUESTÃO 9
“Me tiraram do meu morro”( v.1),
“me botaram neste quarto”(v.4),
“mas compraram para mim” (v.17).
Nos três versos destacados, o poeta empregou sujeito indeterminado. O uso dessa estrutura demonstra, em relação ao eu lírico,
(A) sua impotência.
(B) sua alienação.
(C) sua inquietação.
(D) sua insatisfação.
(E) seu conformismo.
QUESTÃO 10
No segundo poema, os versos “Era tão bom que houvesse uma cidade / na cidade lá embaixo.” (v.5 e v.6) encerram uma crítica
(A) à violência das favelas.
(B) ao tráfico de drogas.
(C) à civilização moderna.
(D) ao crescimento das favelas.
(E) à atuação das Forças Armadas.
Leia o TEXTO III e responda às questões de 11 a 14.
CORRIDINHO
O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
5 para o amor desistir.
O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.
10 O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.
Fala a palavra açucena,
15 pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.
Tudo manha, truque, engenho:
É descuidar, o amor te pega,
20 te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.
PRADO, Adélia. O coração disparado. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1977.
QUESTÃO 11
No verso “o amor fica sem saber se é ou não é”, é utilizada a elipse de um termo oracional, o que sugere que a pessoa
(A) deixa de amar devido à distância.
(B) que ama não sabe se o(a) amado(a) recebeu a carta.
(C) amada compreende os sentimentos do amante.
(D) que ama não sabe se é ou não amada.
(E) amada não procura a pessoa que a ama.
QUESTÃO 12
A oração que apresenta a idéia de causalidade é
(A) “para o amor desistir.”(v.5)
(B) “...sem saber...”(v.9)
(C) “desembarca do trem,”(v.11)
(D) “de tanto caminhar a pé.”(v.13)
(E) “Mas água o amor não é.”(v.21)
QUESTÃO 13
Nos versos “dorme na sua presença,” (v.16) “É descuidar, o amor te pega,” (v.19) “te come, te molha todo.” (v.20), os pronomes sua e te remetem ao
(A) emissor da mensagem.
(B) canal da mensagem.
(C) receptor da mensagem.
(D) código da mensagem.
(E) referente da mensagem.
QUESTÃO 14
Em relação ao TEXTO III, é correto afirmar que
I - é um poema moderno, apresentando versos livres.
II- é um poema romântico, pois tem como tema o amor.
III- é um poema moderno, em que se observa a personificação do amor.
(A) I e II.
(B) I e III.
(C) II e III.
(D) I.
(E) III.
Leia o TEXTO IV e responda às questões de 15 a 20.
Sem data
Há seis ou sete dias que eu não ia ao Flamengo. Agora à tarde lembrou-me lá passar antes de vir para casa. Fui a pé; achei aberta a porta do jardim, entrei e parei logo.
“Lá estão eles”, disse comigo.
Ao fundo, à entrada do saguão, dei com os dois velhos sentados, olhando um para o outro. Aguiar estava encostado ao portal direito, com as mãos sobre os joelhos. D. Carmo, à esquerda, tinha os braços cruzados à cinta. Hesitei entre ir adiante ou desandar o caminho; continuei parado alguns segundos até que recuei pé ante pé. Ao transpor a porta para a rua, vi-lhes no rosto e na atitude uma expressão a que não acho nome certo ou claro: digo o que me pareceu. Queriam ser risonhos e mal se podiam consolar. Consolava-os a saudade de si mesmos.
ASSIS, Machado. Memorial de Aires. In: Obra Completa. Rio de Janeiro, Aguilar, 1989.
QUESTÃO 15
No TEXTO IV o narrador descreve o quadro formado pelo casal de velhos com
(A) impaciente ironia.
(B) suavidade e melancolia.
(C) desgosto e censura.
(D) velado humorismo.
(E) ceticismo e desesperança.
QUESTÃO 16
Em “Consolava-os a saudade de si mesmos.”( l. 9), o autor está empregando a linguagem
(A) denotativa.
(B) coloquial.
(C) conotativa.
(D) paradoxal.
(E) sinestésica.
QUESTÃO 17
“... digo o que me pareceu...” Quanto à função sintática os termos sublinhados são, respectivamente:
(A) objeto direto - objeto direto - objeto direto .
(B) objeto direto – sujeito – objeto indireto.
(C) sujeito – sujeito – complemento nominal.
(D) objeto indireto – sujeito – objeto indireto.
(E) adjunto adnominal – objeto indireto – objeto direto.
QUESTÃO 18
O prefixo da palavra sublinhada na oração “ao transpor a porta para a rua...”( l.7 ) tem, respectivamente, o significado de
(A) movimento através de.
(B) movimento em torno.
(C) posição além do limite.
(D) movimento para além de.
(E) movimento intermitente.
QUESTÃO 19
“Tinha que consolá-los.”
A alternativa em que a palavra sublinhada apresenta valor gramatical correspondente ao exemplo em destaque é
(A) uma expressão a que não acho nome certo.( l.8 )
(B) ...ou desandar o caminho.( l.6 )
(C) e mal se podiam consolar.( l.8-9 )
(D) entrei e parei logo.(l.2 )
(E) hesitei entre ir adiante...( l.6 )
QUESTÃO 20
A alternativa em que está correta a classificação do verbo dar quanto à predicação é
(A) Dei com os dois velhos sentados. – transitivo direto.
(B) Os jornais não deram a notícia. – transitivo indireto.
(C) O relógio deu onze horas. – transitivo direto e indireto.
(D) Quem dá aos pobres empresta a Deus. – intransitivo.
Esse dinheiro não dá. – intransitivo.
QUESTÕES
INSTRUÇÃO: As questões de números 01 a 03 tomam por base as duas primeiras partes do conto Jeca Tatu, do escritor, editor e polemista José Bento Monteiro Lobato (1882-1948), e um fragmento do poema Juca Mulato, do jornalista e poeta modernista Paulo Menotti del Picchia (1892-1988).
Jeca Tatu
Jeca Tatu era um pobre caboclo que morava no mato, numa casinha de sapé. Vivia na maior pobreza, em companhia da mulher, muito magra e feia, e de vários fi-lhinhos pálidos e tristes.
Jeca Tatu passava os dias de cócoras, pitando enormes cigarrões de palha, sem ânimo de fazer coisa nenhuma. Ia ao mato caçar, tirar palmitos, cortar cachos de brejaúva, mas não tinha a idéia de plantar um pé de couve atrás da casa. Perto corria um ribeirão, onde ele pescava de vez em quando uns lambaris e um ou outro bagre. E assim ia vivendo.
Dava pena ver a miséria do casebre. Nem móveis, nem roupas, nem nada que significasse comodidade. Um banquinho de três pernas, umas peneiras furadas, a espin-gardinha de carregar pela boca, muito ordinária, e só.
Todos que passavam por ali murmuravam:
— Que grandissíssimo preguiçoso!
[...]
Jeca só queria beber pinga e espichar-se ao sol no terreiro. Ali ficava horas, com o cachorrinho rente; cochi-lando. A vida que rodasse, o mato que crescesse na roça, a casa que caísse. Jeca não queria saber de nada. Trabalhar não era com ele.
Perto morava um italiano já bastante arranjado, mas que ainda assim trabalhava o dia inteiro. Por que Jeca não fazia o mesmo?
Quando lhe perguntavam isso, ele dizia:
— Não paga a pena plantar. A formiga come tudo.
— Mas como é que o seu vizinho italiano não tem formiga no sítio?
— É que ele mata.
— E por que você não faz o mesmo?
Jeca coçava a cabeça, cuspia por entre os dentes e vinha sempre com a mesma história:
— Quá! Não paga a pena...
— Além de preguiçoso, bêbado; e além de bêbado, idiota, era o que todos diziam.
(MONTEIRO LOBATO. Jeca Tatu. In: Obras completas de Monteiro Lobato. Vol 8. São Paulo: Editora Brasiliense Limitada, 1951, p. 329-331.)
Juca Mulato
Juca Mulato pensa: a vida era-lhe um nada...
Uns alqueires de chão; o cabo de uma enxada;
um cavalo pigarço; uma pinga da boa;
o cafezal verdoengo; o sol quente e inclemente...
05 Nessa noite, porém, parece-lhe mais quente,
o olhar indiferente,
da filha da patroa...
“Vamos, Juca Mulato, estás doido?” Entretanto,
tem a noite lunar arrepios de susto;
10 parece respirar a fronde de um arbusto,
o ar é como um bafo, a água corrente, um pranto.
Tudo cria uma vida espiritual, violenta.
O ar morno lhe fala; o aroma suave o tenta...
“Que diabo!” Volve aos céus as pupilas, à toa,
15 e vê, na lua, o olhar da filha da patroa...
Olha a mata; lá está! o horizonte lho esboça;
pressente-o em cada moita; enxerga-o em cada poça;
e ele vibra, e ele sonha, e ele anseia, impotente,
esse olhar que passou, longínquo e indiferente!
20 Juca Mulato cisma. Olha a lua e estremece.
Dentro dele um desejo abre-se em flor e cresce
e ele pensa, ao sentir esses sonhos ignotos,
que a alma é como uma planta, os sonhos, como brotos,
vão rebentando nela e se abrindo em floradas...
25 Franjam de ouro, o ocidente, as chamas das queimadas.
(MENOTTI DEL PICCHIA, Paulo. Poemas. 6ª. edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1954, p. 20-21.)
01. Os trechos transcritos de Jeca Tatu e Juca Mulato exploram gêneros e temas distintos, mas não deixam de apresentar algumas identidades. Depois de relê-los, buscando observar bem suas diferenças e semelhanças,
a) mencione um ponto de contato entre os dois trechos, no que diz respeito ao ambiente descrito;
b) baseado no fato de que numa narrativa podem ser apresentados aspectos externos e aspectos internos do comportamento das personagens, estabeleça a diferença essencial que há entre os dois textos no modo de focalizar as personagens Jeca Tatu e Juca Mulato pelos respectivos narradores.
02. Com um discurso narrativo simples e objetivo, o narrador de Jeca Tatu nos fornece, no trecho citado, um retrato bem definido da situação vivida pela personagem em seu meio. Releia atentamente o trecho e, a seguir,
a) levando em consideração as informações do narrador, avalie a atuação de Jeca Tatu como proprietário rural;
b) indique dois adjetivos empregados no texto que sintetizam a opinião que as outras pessoas tinham sobre Jeca Tatu.
03. Os escritores se valem, com freqüência, do recurso de atribuir características de seres animados a elementos do meio-ambiente. Após verificar a ocorrência desse recurso no trecho de Juca Mulato,
a) cite uma seqüência de versos do poema em que elementos do ambiente parecem assumir características de seres animados;
b) estabeleça a relação existente entre as características do ambiente assim descrito e o estado de esp-rito da personagem Juca Mulato.
INSTRUÇÃO: As questões de números 04 a 07 se ba-seiam em um fragmento do Sermão do Mandato, do orador barroco Antônio Vieira (1608-1697), e num trecho do poema Feliza, do poeta neoclássico Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805).
Sermão do Mandato
Começando pelo amor. O amor essencialmente é união, e naturalmente a busca: para ali pesa, para ali caminha, e só ali pára. Tudo são palavras de Platão, e de Santo Agostinho. Pois se a natureza do amor é unir, como pode ser efeito do amor o apartar? Assim é, quando o amor não é extremado e excessivo. As causas excessivamente intensas produzem efeitos contrários. A dor faz gritar; mas se é excessiva, faz emudecer: a luz faz ver; mas se é excessiva, cega: a alegria alenta e vivifica; mas se é excessiva, mata. Assim o amor: naturalmente une; mas se é excessivo, divi-de: Fortis est ut mors dilectio: o amor, diz Salomão, é como a morte. Como a morte, rei sábio? Como a vida, dissera eu. O amor é união de almas; a morte é separação da alma: pois se o efeito do amor é unir, e o efeito da morte é separar, como pode ser o amor semelhante à morte? O mesmo Salomão se explicou. Não fala Salomão de qualquer amor, senão do amor forte? Fortis est ut mors dilectio: e o amor forte, o amor intenso, o amor excessivo, produz efeitos contrários. É união, e produz apartamentos. Sabe-se o amor atar, e sabe-se desatar como Sansão: afetuoso, deixa-se atar; forte, rompe as ataduras. O amor sempre é amoroso; mas umas vezes é amoroso e unitivo, outras vezes amoroso e forte. Enquanto amoroso e unitivo, ajunta os extremos mais distantes: enquanto amoroso e forte, divide os extremos mais unidos.
(ANTONIO VIEIRA. Sermão do Mandato. Braslia: Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000, p. 165-166.)
Feliza
Chamam-te gosto, Amor, chamam-te amigo
Da Natureza, que por ti se inflama;
Dizem que és dos mortais suave abrigo;
Que enjoa, e pesa a vida a quem não ama:
05 Mas com dura exp’riência eu contradigo
A falsa opinião, que um bem te chama:
Tu não és gosto, Amor, tu és tormento.
Une teus sons, ó lira, ao meu lamento.
Feliza de Sileu! Quem tal pensara
10 Daquela, entre as pastoras mais formosa
Que a vermelha papoila entre a seara,
Que entre as boninas a corada rosa!
Feliza por Sileu me desampara!
Oh céus! Um monstro seus carinhos goza;
15 Ânsia cruel me esfalfa o sofrimento.
Une teus sons, ó lira, ao meu lamento.
Ingrata, que prestígio te alucina?
Que mágica ilusão te está cegando?
Que fado inevitável te domina,
20 Teu luminoso espírito apagando?
O vil Sileu não põe na sanfonina
Jeitosa mão, nem pinta em verso brando
Ondadas tranças, que bafeja o vento.
Une teus sons, ó lira, ao meu lamento.
(BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du. Obras de Bocage. Porto: Lello & Irmão, 1968, p. 685-686.)
04. Os trechos transcritos do sermão de Vieira e do poema de Bocage apresentam traços peculiares de seus respectivos estilos de época, o barroco e o neoclássico. Verifique, numa leitura atenta, esses traços e, a seguir,
a) mencione e explique uma característica do estilo barroco que Vieira explora com insistência no seguinte trecho: “O amor é união de almas; a morte é separação da alma: pois se o efeito do amor é unir, e o efeito da morte é separar, como pode ser o amor semelhante à morte?”;
b) aponte um aspecto da segunda estrofe do poema de Bocage típico da poética neoclássica.
05. Vieira, em seu sermão, afirma que uma mesma causa pode produzir efeitos contrários, conforme a presença ou não de determinado fator. Com base nessa constatação,
a) determine o fator que, segundo afirma Vieira, é responsável por fazer com que uma mesma causa produza efeitos contrários;
b) indique o fenômeno físico que Vieira apresenta como uma das provas do que afirma.
06. No seu poema, diferentemente de Vieira, Bocage focaliza o amor de um modo prático, pondo o eu-poemático a queixar-se da atitude de Feliza. Essa queixa, porém, parece confirmar o que disse Vieira so-bre o amor. Releia a primeira estrofe do poema de Bocage e, em seguida,
a) explique em que medida as palavras dessa estrofe parecem confirmar o argumento de Vieira;
b) cite o verso que contém a justificativa dada pelo eu-poemático para fazer tal colocação sobre os efeitos do amor.
07. O caráter polissêmico que comumente apresentam as palavras da língua permite que, com o emprego de uma mesma palavra em contextos distintos, possamos acionar diferentes significados. Muitas vezes, a produção de significados novos ocorre em função do emprego metafórico ou também metonímico das palavras. Nos trechos de Vieira e de Bocage, encontramos alguns exemplos disso. Releia-os atentamente e, a seguir,
a) explique o significado que, pelo emprego metafórico, assume a forma verbal “pinta” no poema de Bocage;
b) reescreva a frase “É união, e produz apartamentos”, substituindo a última palavra por outra de sentido equivalente e apropriado ao contexto do sermão de Vieira.
INSTRUÇÃO: As questões de números 08 a 10 tomam por base um poema do clássico português Luís Vaz de Camões (1524?-1580) e a le-tra do foxtrote Você só... mente, escrita pelo músico brasileiro Noel de Medeiros Rosa (1910-1937).
Trovas
a uma dama que lhe jurara
sempre por seus olhos.
Quando me quer enganar
a minha bela perjura,
para mais me confirmar
o que quer certificar,
05 pelos seus olhos mo jura.
Como meu contentamento
todo se rege por eles,
imagina o pensamento
que se faz agravo a eles
10 não crer tão grão juramento.
Porém, como em casos tais
ando já visto e corrente,
sem outros certos sinais,
quanto me ela jura mais
15 tanto mais cuido que mente.
Então, vendo-lhe ofender
uns tais olhos como aqueles,
deixo-me antes tudo crer,
só pela não constranger
20 a jurar falso por eles.
(CAMÕES, Luís de. Lírica. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo Universidade de São Paulo, 1982, p. 56-57.)
Você só... mente
Não espero mais você,
Pois você não aparece.
Creio que você se esquece
Das promessas que me faz...
05 E depois vem dar desculpas
Inocentes e banais.
É porque você bem sabe
Que em você desculpo
Muita coisa mais...
10 O que sei somente
É que você é um ente
Que mente inconscientemente,
Mas finalmente,
Não sei por que
15 Eu gosto imensamente de você.
E invariavelmente,
Sem ter o menor motivo,
Em um tom de voz altivo,
Você, quando fala, mente
20 Mesmo involuntariamente.
Faço cara de contente,
Pois sua maior mentira
É dizer à gente
Que você não mente.
25 O que sei somente
É que você é um ente
Que mente inconscientemente,
Mas finalmente,
Não sei por que
30 Eu gosto imensamente de você.
(In: Noel pela primeira vez. Coleção organizada por Miguel Jubran. São Paulo: MEC/FUNARTE/ VELAS, 2000, Vol. 4, CD 7, faixa 01.)
08. A “mentira” constitui um dos temas mais recorrentes nos poemas de amor de todos os tempos, variando po-rém o modo como os poetas a focalizam, negando-a, rejeitando-a ou aceitando-a “em nome do amor”. Em Trovas e em Você só... mente é abordado o tema da “mentira no amor”. Depois de observar o desenvolvi-mento desse tema em ambos os poemas,
a) apresente a justificativa lógica da conclusão a que chega o eu-poemático nos últimos cinco versos do poema de Camões;
b) demonstre o caráter irônico do emprego do vocá-bulo “inocentes” no sexto verso da letra de Noel Rosa.
09. Os homônimos homófonos e homógrafos, ou seja, vocábulos que apresentam a mesma pronúncia e a mesma grafia, são comuns na Língua Portuguesa. No verso “pelos seus olhos mo jura”, o vocábulo jura é um ver-bo empregado como núcleo do predicado verbal; mas podemos construir a frase “Ele quebrou sua jura e foi para longe” em que o homônimo jura é empregado como substantivo em função de núcleo do objeto di-reto. Com base nesta informação, releia os dois poe-mas e, em seguida,
a) estabeleça a classe de palavra a que pertence “grão”, no décimo verso do poema de Camões e escreva uma frase em que apareça um homônimo homófono e homógrafo dessa palavra;
b) aponte o efeito expressivo, relacionado com o tema e com a rima, que o emprego de advérbios como somente, inconscientemente, etc., produz na letra de Noel Rosa.
10. Além do eu-poemático, que se revela formalmente pelo emprego do pronome pessoal do caso reto “eu” e correspondentes pronomes oblíquos, como também pelas flexões verbais de primeira pessoa do singular, surge em Trovas e em Você só... mente outra personagem: a pessoa amada. Depois de observar atentamente as marcas da presença desta personagem nos dois textos,
a) demonstre, com base em exemplos, como a pessoa amada se revela formalmente em Trovas;
b) explique por que razão não se pode determinar o sexo da pessoa amada em Você só... mente.

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